Ela entrou no santuário decidida de que era a última vez. Não deixaria mais a confusão embaçar sua vista, que já não era assim tão boa, e isso a fez pensar que a maioria das pessoas prefere viver com uma visão ruim basicamente por preguiça de ir a um especialista. Sentiu-se mal por uns 2 segundos, já estava de bom tamanho. O santuário era um lugar pequeno, mas tinha uma presença incrível, com um caminho no fundo que entrava nas árvores e poderia dar em diversos mundos bizarros,que infelizmente não vamos conhecer porque já está quase na hora do almoço.
A menina sentou-se bem ao fundo, abaixou a cabeça e começou a rezar. Pedia discernimento, decisão. Essas coisas que pedimos quando as soluções requerem que algo se perca, mas não aceitamos, como crianças emburradas. Não sei bem quando ela pegou no sono, porque depois disso o tempo não fez mais sentido. Ela viajou por universos infinitos, de cores sem fim. Minto, talvez faltasse um pouco de laranja. Conheceu seres, becos cheios de estrelas e aprendeu a ver suas cicatrizes de outra forma. Nesse mundo ela abriu mão de várias coisas, e fez escolhas que nunca faria. Quando passou perto de um buraco negro, refletiu, por um milésimo de segundo, sobre tudo que tinha visto, e acordou com um toque no ombro. Era o zelador dizendo que o santuário iria fechar pra reforma, algo sobre reforçarem fundações e uns termos técnicos esquisitos.
Não lembrava muito bem do que aconteceu no sonho, mas se sentia diferente. Fez força para recordar, era tão distante. Sorriu, chorou. Lembrou do buraco negro, sentiu-se mal. Quando iria forçar qualquer coisa para os pensamentos mudarem e fugir da confusão, um homenzinho engraçado disse:
– Aqueles dias estão fora do tempo real, não se preocupe. Tudo aconteceu, mas nada vai interferir.
O sujeito perguntou se a menina tinha um barbante para prender uma flor no chapéu, mas ela não tinha, então ele foi embora assoviando uma canção que parecia ser sobre rodovias.