A conclusão veio como um soco na orelha. Você sabe que viria, mas não assim. Não com esses resultados. Percebi que não sei recitar nenhuma poesia. Nem um verso ou outro. Não sei dizer quais autores são bons, quais ditam o rumo da minha vida, quais obras todos devem ler. Sei músicas, mas não sei poesias. Não consigo pensar em nada, nada mesmo. Um ou dois títulos, e só. Sim, isso é mais do que ‘nada, nada mesmo’, mas foda-se você e seus conceitos. Sabe o que eu quis dizer. Provavelmente sabe uma poesia ou outra e está ai cheio de si.
Fico cogitando minha loucura. Se existe um limiar entre a sanidade e a consciência de que estamos prestes a perdê-la. Tanto a sanidade quanto a consciência. Sei que tive amigos imaginários, mas tenho certeza de que tenho inimigos invisíveis. São versões de mim mesmo, vindas de outros planos. Um se veste de tons de cinza e é rancoroso, outro é cheio dos metais perfurados no corpo e tem um quê de Narciso. Não lembro os nomes dos amigos de infância, assim como não lembro os poemas. Mas sei descrever completamente meus demônios, até porque o nome deles é um só. Está anotado aqui em algum documento plastificado qualquer.
Acabo me julgando inferior por não ser boêmio o suficiente. Sabe-se lá qual seria o suficiente, não é como se existisse uma sociedade reguladora da boemia, mas só o fato de não saber versos o bastante me traz conflitos demasiados. Desejo ter tudo na ponta da língua, recitar enquanto dou passos leves intercalando o meio-fio com a rua. Quero viver sob outras regras, onde minha crenças se basearão num recinto apertado e cheio de garrafas expostas, no garçom que está pouco de lixando para nossos problemas e naquele morador de rua que, justamente por não saber poesia nenhuma, acaba tendo sua aura negada. Talvez ele voasse mais alto que todos nós, mas talvez essa minha liberdade e bajulação ao ser livre e sujo seja uma bobagem supervalorizada. Talvez eu devesse me focar no trabalho, na recompensa. Talvez precise de mais imaginação. Mas não de mais amigos.