No início da nossa amizade, quando ainda não sabíamos de antemão os gostos um do outro, eu cheguei um dia deprimido. Não lembro o motivo, mas era algo fora do comum naquela época. Ele logo notou isso, e me perguntou, assim, como quem não quer nada:
– Do que você tem medo?
Nunca havia pensado nisso, mas a resposta veio instantaneamente:
– De ficar sozinho.
Como se tivesse na ponta da língua, disse:
– Você sabe que nunca vai estar sozinho.
E ali meu medo acabou.
Hoje admito que, ao abraçar sua família e passar o que aprendi a eles, dizendo que nunca estariam sozinhos, voltei a sentir um pouco de medo. Mas foi só um pouco, juro.
Como eternos inconformados com a forma padrão de se ter(ou achar que se tem) amigos, resolvemos inovar. Não conscientemente claro. Não houve discussão sobre isso, afinal não sairíamos do lugar. Mas a sensação de se ter alguém em quem se possa confiar incondicionalmente é muito reconfortante, acredite. Começa assim a criar forma algo que, se tiver que conceituar, seria um grupo de crianças inventando nomes e regras imbecis para seus fortes na casa da árvore. O infantil é sincero. O sincero é raro de se ver. Raridade, em algumas tribos, é sinônimo de estranho. Quem somos?
Sempre o tive como um ídolo. Antes de trocarmos nossas experiências com universos virtuais, olhava ele de longe e já queria ser seu amigo. Amigo daquele cara, aquele diferente. Aquele que sempre foi o que jamais conseguirei ser, mesmo depois de anos moldando e enfeitando máscaras. Não tenho sua aura. Seu carisma. Quando brincamos perguntando que tipo de super poder o outro teria (Adultos, sim. Alcoolizados, um pouco. Esquecendo o que deveríamos fazer para crescer, com certeza.), ele diz que seu poder seria enfeitiçar as pessoas, qualquer um, para que gostassem dele. Ora, e não é que conseguiu? E o maldito nunca me revelou o segredo, relato aqui minha indignação por estar sem poderes.
Ainda não contabilizei o que vou carregar na sacola, do tempo que passamos juntos. Talvez demore, sempre odiei caixas de super mercados. Mas tudo bem, não tenho pressa. Destilar sentimentos de boas memórias é algo que sei fazer muito bem. Talvez esse seja meu poder. Mas não funciona sozinho. Não funciona sem catalizador, e uma das melhores matérias-prima que encontrei acabou numa sexta com muito vento.