Voluntariou-se para ajudar a carregar o caixão. Tinha a mania de achar que tudo era uma representação miserável da vida. Como carregar o caixão. Não entendia toda a importância que davam para o evento. Um cadáver era um cadáver, um caixão era um caixão, e o objeto por si só representava um exagero. Na sua mania, isso simbolizava o mundo.
Qual tentativa de consertar aquele dia seria em vão. Todo o trabalho que tiveram em arrumar o cadáver para que estivesse apresentável foi por água abaixo. Estava jogado dentro do caixão, poucas flores sobraram. Ninguém tinha coragem de dizer o quanto aquilo era deplorável. Alguns queriam vomitar, a situação tinha chego num estado inimaginável. Mas nenhum deles arredou os pés. Todos mantiveram a postura.
Nesse ponto ele não aguentava mais a quantidade absurda de analogias com a vida. Naquele ponto, ele queria um copo de whisky, músicas lentas e o vento entrando por uma abertura (que ele jurava não ter deixado de propósito na janela), para sentir-lo chicoteando suas costas. A tristeza se tornara seu senhorio. Menosprezar a existência era sua senzala.
O episódio do caixão serviu de uma vez por todas para provar isso. Ele se sentia aliviado, poderia usar essa história como desculpa por um bom tempo. Não o julgariam mais por estar infeliz, ele tinha um passe livre, pelo menos por um tempo, até encontrar a próxima ocasião em que eventos forçados para parecerem normais fugiriam do controle. Síntese da vida.