Rhizopus Stolonifer

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Em um bar sujo e escuro, jogando a melhor mão de cartas que já apareceu na minha vida, ganhei a certeza de quando seria a última vez a fazer alguma coisa. Parece confuso, mas continue me dando ouvidos, prometo que serei breve. Quem apostou esse prêmio peculiar foi um padre estranho. Estranho da forma como padres se permitem ser estranhos, eles não se encaixam nas leis normais de mensuração de gente estranha. Você nunca vai ver um padre que não tem cara de padre, ou um padre com cara de psicopata.

Pois bem, ele era estranho porque parecia que tinha envelhecido rápido demais. Ainda possuía o semblante jovem, mas de alguma forma estava cheio de rugas e faltando tufos de cabelo aqui e ali. Estava bêbado e alegre, contando histórias sobre suas viagens pelo extremo oriente. Logo se interessou quando descobriu que eu sabia jogar um jogo de cartas bem popular por aquelas bandas, e perdemos um bom tempo relembrando as regras. Quando o valor das apostas começava a superar o valor gasto com bebidas, ele ofereceu o prêmio. “A certeza de quando seria a última vez a fazer alguma coisa”. Não dei muita atenção, achei que era baboseira de convento e que no final teria uma moral da história que me faria mudar de vida ou algo que o valha. Aceitei e bati na mesa sinalizando para que ele desse as cartas.

Foi um jogo rápido, o padre também tinha uma boa mão mas a minha era muito melhor. Ganhei e fiquei esperando o sermão, enchi meu copo até. Mas ele só levantou, nem ao menos terminou sua bebida, e saiu. Fui ao banheiro, parei na terceiro cabine contando da esquerda, e dei minha última urinada naquele lugar, naquela cabine. De alguma forma eu sabia que nunca mais faria aquilo. Não no sentido de que morreria ou algo assim, não. Sabia que não faria aquele ato específico, urinar naquele lugar. Podia ser nos outros ao lado. Mas nunca naquele.

E desde aquele dia tenho a certeza de quando é a última vez que faço alguma coisa. Sei que não comerei mais aspargos. Sei que não pintarei mais meu portão de branco. Sei que nunca mais visitarei meu tio. Não importa o quanto tente mudar, a vida dá um jeito de me impedir. Ontem soube que seria a última vez que brincaria com meu cachorro. Estou desde então pensando porque. Sei que não tem como mudar isso, mas não consigo deixar de tentar entender. Será que perderei o amor que sinto por ele? Será que ele vai morrer?

Fui ao barbeiro imaginando no melhor diálogo possível. Como aproveitar ao máximo as palavras que o sábio senhorzinho com as tesouras na mão diria. Poderia ser a minha última visita. Mas não foi. No entanto foi a última vez que dei bom dia para minha vizinha. Não sei o que significa, se ela vai se mudar, ou eu mudarei. Não sei se tento mandar uma carta agradecendo pelo pássaro que ela comprou anos atrás, me alegrando em tardes ensolaradas.

Sinto que estou envelhecendo, e não sei quantas vezes mais me darei ao luxo de ter essa sensação.

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