Grande parte das viagens espirituais do nosso tempo acontecem em idas à padaria. Em uma dessas, a garota viu uma típica família vestida para ir à igreja. Todos arrumadinhos, a criança no meio do pai e da mãe, comportada, já de acordo com aquele rito semanal. Essa imagem trouxe uma enchente de pensamentos para a menina. Naquela simples volta pra casa com uma sacola de pães, surgiram 12 linhas temporais. Cada uma com seu próprio grupo de decisões tomadas pela garota. Nesta que estamos agora pouca coisa mudou. Ela ficou deprimida. Lembrou de como achava esses costumes familiares reconfortantes. Era bonito, seguro, esperançoso. Ali, naquela cena, cada membro da família era perfeito e rumava para um futuro brilhante. Na pequena fagulha gerada pelos neurônios da menina ao imaginar como seria a convivência dos três não existia traição, vergonha, desconfiança, medo, punição. Somente a ida a igreja. As roupas impecáveis. Os sorrinhos acompanhando.
Essas cenas sempre a pegavam de jeito. Outro dia viu um homem bater sua moto e derrubar o que parecia ser uma mochila de criança, com enfeites rosas. Ele deu seu telefone ao motorista do carro em qual tinha batido e implorou para poder buscar sua filha em casa e levá-la na escola. A cena foi tão forte que a garota lacrimejou. Nem tanto pelo senhor, mas por imaginar as vidas das pessoas. Assim, depois desses eventos era inevitável pensar no que levou o homem a se preocupar tanto com a educação da filha. As ramificações iam surgindo. Porque ele tinha uma moto? Porque tinha que levar a mochila? Porque estava com pressa? E deduzir isso tudo era um hobby divertido, num primeiro momento. Até ela ser atingida pela conclusão fatídica de que sua chance de se enrolar nesse tipo de evento familiar era bem pequena. Seja tendo uma moto. Seja indo à igreja.
Nessa linha temporal, a garota abandonou suas expectativas de envolvimento com outras pessoas. Por diversos fatores, mas um em especial: ela não aguentava mais pensar sobre todas as possibilidades que teria com seu parceiro. Vejam só, já é estupefante tomar decisões por si só. Imagine fazer isso para duas pessoas, e pior, que se relacionam. Ou seja, o relacionamento é um conjunto de decisões, afetadas umas pelas outras, formando um novo grupo mutante. Nada seria tão simples. “E se eu não comprasse pão, e resolvesse surpreendê-lo com um bolo? Isso poderia ser responsável pela sua futura mudança de atitude, já quando não estivesse mais comigo, e comesse um bolo, lembrando de mim, e voltando para tentar me reconquistar.” Esse tipo de coisa. Confuso não? Imagine elevado as centenas.
Não, ela viveria sozinha, comprando pão pra ela mesma, nunca bolos, ou brioches. Mas vez ou outra caía na tentação de imaginar as reviravoltas do destino pra uma pequena família indo a igreja. Dava a desculpa de que foi escolha do universo.