Carona

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Um dia o presidente da nação mais influente do mundo acordou e seu cachorro tinha morrido. Era um cachorro velho, aguentou até os 20 anos, coisa rara. Isso desencadeou algumas situações curiosas. Como por exemplo um funeral bem ridículo onde pessoas demais (que se importavam de menos com o cãozinho) aglomeravam-se em volta de um caixão muito grande pro buraco onde seria colocado pra descansar. Claramente o coveiro não fazia ideia das dimensões do bicho. Toda a deprimência da espera enquanto aquele homem cavava desesperadamente o buraco pra caber a caixa de madeira fez o presidente desistir da vida. Era isso, ele tinha certeza, iria se matar. Mas como? Todos os métodos normais fazem tanta sujeira. Ou precisam de um esforço enorme. Deveria existir um modo mais simples e rápido.

Essa linha de pensamento originou outra situação curiosa. A criação de comitês em prol da “pílula do sonho eterno”. Esse nome babaca foi o nome que o presidente deu a um comprimido (pra mim, pílula e comprimido são a mesma droga, se me permitem o trocadilho infeliz) que matava a pessoa em doze segundos. 99% de chance. Esse tempo foi o mais rápido que conseguiram chegar, estava bom, era uma boa marca. Os casos de arrependimento nesse período mal chegavam a 17%.
A situação curiosa continuou se desenrolando, e ninguém mais sabia se era a mesma situação curiosa do início ou se foram surgindo outras mais rosadas. Líderes mundiais aprovavam a “pílula do sonho eterno” sem pestanejar, ninguém falava muito sobre isso. Era como se tivessem inventado um novo sabor de gelatina. Algo irrelevante. Mas logo os efeitos podiam ser mensurados. Milhares de pessoas desapareciam. Os relatos de gente encontrando corpos em lugares remotos aumentou exponencialmente. Todos ficaram surpresos com a quantidade de corpos encontrados boiando em lagos e praias. As pessoas tomavam o “remédio” por todo tipo de motivo, desde aqueles que viveram uma vida infernal e cheia de desgostos, até o vizinho simples que de repente se deu conta que nunca teria dinheiro pra comer lagosta. As autoridades tentavam criar grupos de apoio, mas isso só servia pra que as pessoas buscassem lugares mais distantes pra “sonhar”.
O suicídio ainda era vergonhoso. Ir na farmácia pedir pela pílula era algo complicado, exigia planejamento, determinação. Logo foram criados guichês onde a pessoa botava a mão e retirava um frasco com dois comprimidos, para ela e sua companhia especial. Mas ainda assim, você precisaria se deslocar até o guichê. De novo, reclamações. A solução final foi enviar pelo correio para todo mundo, uma vez por mês. Algumas caixas de correio estavam cobertas por caixinhas simpáticas, pretas com detalhes brancos. Só uma frase estampava a caixa: Sonhe eternamente.
Em apenas 7 meses, a população foi reduzida a um terço. Tudo que sobrou foram pessoas compreensivas e pacientes. Não existia mais raiva, estresse, egoísmo. Quando alguém caía na tristeza, tirava uma pílula do bolso e tudo acabava ali mesmo. Quando você batia a cabeça embaixo da mesa quando ia pegar um chinelo, tomava a pílula. Porque não? Porque passar por essa dor? Doze segundos e pronto. Acabaram os argumentos numa discussão? Ora! Não se preocupe, não precisa conviver com sua derrota, nem buscar sua arma em casa para dar cabo do sujeito. Sonhe eternamente.
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