Weak

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Um homem tem o simples trabalho de apagar uma luz. Ele acorda e mesmo sem vontade come qualquer porcaria porque aprendeu nos intervalos dos seus desenhos animados favoritos que o café da manhã é a refeição mais importante do dia, e vai trabalhar. É uma sala em região central, espremida entre uma loja de mágica e um veterinário. Em dias quentes ele consegue sentir cheiro de cachorro misturado com aqueles sprays de enganar trouxa. Ninguém nota sua sala. Ninguém nunca apareceu no meio do trabalho oferecendo doces ou um mapa para encontrar o Senhor. O homem não saberia o que fazer caso chegasse alguém, de qualquer forma. Ele conseguiu o trabalho respondendo um anúncio no jornal. Quer dizer, não foi bem uma resposta. Discou o número por engano e uma voz atendeu dizendo que ele estava contratado, era só aparecer naquele endereço, atravessar a sala e apagar a luz. Porque não?

Ao abrir a porta a sala estaria escura como breu. Assim que o homem entrasse e ouvisse o som característico da porta se trancando nas suas costas, as coisas mudavam. No seu primeiro dia, atrás da porta estava uma loja de biscoitos, de todos os tipos e marcas, tão cheia que os cantos transbordavam com a variedade. Ele conseguia ver la no fundo, na parede oposta, um interruptor. Não tinha mais ninguém lá dentro, mas de alguma forma algo dizia pra ele não desviar do caminho. Ele atravessou a sala, saltando caixas de rosquinhas de manteiga e aqueles que parecem poltroninhas minúsculas. Quando apagou a luz, sentiu o que seria sua salvação e queda. Tudo voltou a ficar escuro. O cheiro de biscoito sumiu. Um ar frio parecia vir de dentro dele mesmo, e se espalhar pela sala. Mesmo não conseguindo ver nada, ele fechou os olhos bem forte, e rezou. Depois de anos, rezou. Mal lembrava as orações que seu pai o fez martelar na cabeça para não fazer feio na igreja. E no meio de uma dessas orações, alguém pegou na sua mão. Alguém quente, que segurou forte e o tirou dali. Andaram muito mais do que ele tinha andado para chegar até o interruptor. A pessoa, ou coisa, ou ser, ou fosse o que fosse, não disse uma palavra, e o homem não tinha coragem de ser o primeiro a falar. Todas as vezes em que ele pensava em perguntar alguma coisa, ouvia uma risadinha de deboche, como se aquilo soubesse o que ele pretendia fazer. Sempre um passo a frente.

Quando chegavam na porta, o homem foi praticamente jogado contra ela, e sentiu soltarem sua mão. Abriu a porta e seus olhos doeram com a luz de fora. A porta se trancou da mesma forma que aconteceu quando ele a abriu, e foi embora.

Trabalha sempre que consegue. Não tem salário, ou chefe, ou informações, nada. Nunca mais falaram com ele, e o homem não lembra qual era o número, apesar de tentar todas as combinações possíveis com aqueles dígitos. A sala muda. Alguns dias ela é quieta e aconchegante, podendo ouvir o crepitar de uma lareira e o assovio leve do chá fervendo. Outras vezes é intensa e perigosa, passando por florestas escuras, fugindo de ruídos estranhos. Seu tamanho muda também. Um dia era um beco fechado, e o interruptor estava a 5 passos de distância. Porém, não conseguiu ver o final do teto, e as paredes estavam cheias de fotos antigas. Outro dia andou horas e horas no que parecia ser um deserto de penas vermelhas, que estalavam quando pisadas.

A única coisa que não mudava era o que acontecia depois de apagar a luz. Aquela mão quente, os risos contidos, a confiança que o homem sentia quando a coisa puxava sua mão. Tudo que ele sabia é que iria continuar trabalhando até quando não pudesse andar mais. Não sabia dizer porque, e eu nunca ousei perguntar.

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