A parte mais chata da escola era esperar o ônibus. Mais chata que aulas de história. Mais chata que jogar xadrez com as crianças retardadas da ala especial. Mais chata que ter seu lanche roubado e levar um soco no ombro. Eu ficava ali esperando por algo que não tinha a menor vontade de fazer. É uma sensação de impotência incrível. Meu cachorro idiota esperava comigo todos os dias. Ganhei ele sem pedir de uma tia que foi surpreendida por oito filhotes mamando de uma cadela morta na garagem, todos morreram menos esse ai. E a coisa mais inteligente que ela pensou foi dar o cachorro pra mim. Era um cachorro bem idiota. Ele passava o dia todo sentado na sombra. Não latia. Não buscava gravetos. Não corria atrás da bola. Só levantava pra esperar o ônibus comigo.
Além do cachorro eu fui abençoado com um irmão mais velho que no começo gostava de me bater, depois criou o hábito de me trancar no armário embaixo da escada até minha mãe voltar do trabalho algumas horas depois. Com o tempo ele virou alcoólatra e seu hobby era transformar nossa mãe em uma zebra com listras roxas.
Um dia peguei uma pá e cavei uma trincheira no jardim. Ninguém mais ligava pra droga nenhuma que eu fizesse essas alturas. A trincheira servia pra me esconder quando a gritaria na casa ficava confusa demais e coisas partiam nas paredes. Na trincheira era só eu e minha lancheira do aquaman. Era a mais barata de todas as lancheiras de heróis, ninguém gostava do aquaman, os poderes dele são uma droga. Mas nada me atingia dentro da trincheira. Nem rajadas de gritos, nem balas de empurrões na parede super precisas. Ali eu estava protegido contra quase tudo. Digo quase porque granadas são perfeitas para trincheiras.
E um dia meu irmão jogou uma granada. Foi uma granada literal, voou por cima do pequeno morro de terra e caiu bem na minha frente. Era peluda. Era meu cachorro com mais furos que um queijo suíço, ainda vivo. Cada inspirada era seguida de uma tossida de sangue. Ele ficou me olhando esperando que eu tomasse alguma atitude. Ele ficou ali, com a mesma cara que eu ficava enquanto esperava o ônibus. O que ele queria que eu fizesse? Ele nunca fez nada por mim enquanto eu esperava o ônibus além de sentar do meu lado todas as vezes. Foi o que fiz, sentei do lado dele e olhei pra lugar nenhum, exatamente como ele fazia. E rezei praquilo acabar logo. Pro sangue parar de sair, pra ele parar de respirar. Segurei o choro e esperei.
Era uma quinta-feira, e no próximo dia eu teria de esperar o ônibus, sozinho.