A menina andava por um saguão de aeroporto. Estava cheio, estranhos por todo o lado, alguns amigos acenando de longe, vozes se despedindo. Mas quando ela olhava pra trás não via ninguém. Todas as pessoas sumiam assim que ela virava a cabeça, o barulho parava, ela só via o saguão grande e vazio. Ignorou isso no início e continuou andando, mas então passou a dar olhadelas para trás, com o canto do olho. Começou a notar nitidamente as diferenças, como quando sabemos que tem algo incomodando mas só sentimos mesmo quando paramos pra pensar sobre isso. Ela parou de vez e se virou. Virou e andou para trás, em direção ao vazio, ao silêncio. Agora quando olhava para onde estava indo antes, via as pessoas paradas com os olhos fixos nela. Julgando. Criticando. Piedade em alguns olhares, inveja em outros, maldade na maioria. Onde ela chegaria se continuasse voltando, pensou. E as pessoas atrás ficavam cada vez menores e mais distantes, até que sumiram de vez. Só sobrava o salão vazio e limpo. Nos cantos ela via alguns vultos, olhos amarelados e sorrisos sarcásticos. Ela via seus demônios, os que a acompanhavam desde sempre, uns novos e pequenos, outros velhos e que mal cabiam nos armários.
A menina podia começar de novo ali, podia remodelar as paredes, pintar o chão. Às vezes é melhor estar sozinha na sua própria cabeça, com seus próprio demônios e pinceis. Às vezes é melhor ter a certeza que você não vai tropeçar em alguém. Não vai derrubar os livros, ou espirrar o chá.