Trégua

Trégua

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Ela desejou que seu mundo inteiro fosse envolto em plástico bolha. Assim não se machucaria mais. Mesmo depois de toda a crueldade, mesmo depois de cair no escuro abismo que sucedia a rejeição, ela não sentiria nada, somente as bolhas estourando.

Com o segundo desejo, pediu que o gênio pudesse ler sua mente.

O terceiro desejo foi que as pessoas não fossem tão cruéis umas com as outras. Mas secretamente ela pensou em como queria, na verdade, que ela mesma fosse mais cruel.

Vejam bem, ela não seria feliz nesse mundo de plástico bolha, porque isso era pedir demais (pedir era pedir demais). Queria viver sua tristeza envolta em plástico bolha, porque uma coisa é estar triste e andar sem preocupações, e outra é andar triste e chutar o pé da cadeira com o dedinho. A tristeza tranqüila é confortante.

Ela queria um telefone daqueles feitos de copos descartáveis e um barbante. Queria alguém pra conversar fora do seu mundo de plástico bolha. Queria ter regras bestas como sempre fazer som de telefone ao chamar a pessoa e ao desligar. Queria seguir esses protocolos sociais chatos, mas só queria fazê-los ali dentro. Um dia ela atenderia o telefone e falaria todas as verdades, sobre todos seus amigos, sobre sua família e sobre quem foi obrigada a conviver. Vomitaria aquilo tudo até o barbante arrebentar com o peso do desabafo negro e viscoso.

Me pergunto o que acontece quando todas as bolhas estourarem. Se a menina morreria asfixiada em plástico, rancor e arrependimento.

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