Opiate

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Um dia o pequeno Tom foi brincar no parque, não no parque perto de sua casa onde provavelmente encontraria algum amigo, mas no parque abandonado, longe e quieto. Ele foi lá porque sua babá gostava de ir lá. O namorado dela trabalhava na loja de coisas velhas que adultos chamavam de “antigüidades”, mas para Tom não passavam de tralhas que ninguém sabia onde jogar. “Na dúvida, queime.” diria um tio que ele nunca lembrava o nome, mas que sempre aparecia no natal com roupas esquisitas e sumia misteriosamente com um prato cheio de comida. E tom concordava com isso.

Não tinha sobrado muitos brinquedos seguros, Tudo estava enferrujado ou caindo aos pedaços. Tom decidiu brincar na areia, o que era um misto entre areia, pedra e cacos de vidro, mas pelo menos ele podia usar sua pá e não se cortar. Logo no primeiro buraco, aquele que fazemos sem saber exatamente no que vai dar, ele viu um liquido vermelho saindo da areia. Cavou mais e eram pernas, duas perninhas cortadas na altura do umbigo. Engoliu seco e olhou pro monte onde jogava a areia do buraco, remecheu um pouco para encontrar o que temia, a outra metade de uma pessoinha, sem vida. Tom não sabia o que fazer, botou as duas metades juntas como se algum milagre pudesse acontecer e juntar elas de novo. Nem passava pela sua cabeça questões como Existem pessoas desse tamanho? ou O que ela estava fazendo aqui? ou ainda Minha pá é afiada?

Como nenhum milagre aconteceu e a pequena poça de sangue aumentava, Tom começou a olhar ao redor. Ninguém por perto, nenhuma testemunha. Então decidiu procurar alguma caixa ou lata na areia, para esconder o corpo. Foi ai então que viu mais uma pessoinha, enterrada pela metade, claramente se fingindo de morta. Tom se abaixou e cutucou de leve, então o homem começou a gritar por ajuda a plenos pulmões, como se somente a presença do menino fosse suficiente para um sofrimento excruciante. Tom se assustou e tropeçou em uma pedra, caindo de bunda no chão e cortando a mão em um caco de vidro. Quando olhou o caco viu mais um homenzinho esmagado entre o caco e a areia, seu corpo deformado, como se fosse um boneco de massa frágil. Mais sangue. Tom se levantou em um susto e ouviu mais gritos, tinha pisado em outra pessoinha, dessa vez uma mulher meio gorda, que soltou seus últimos gritos e morreu. Logo Tom percebeu, dezenas de pessoinhas corriam pela areia procurando se esconder, mas acabavam se machucando de diversas maneiras. Uns não viam por onde andavam e acabavam sem um braço cortado em latas de milho enferrujadas, outros caiam em buracos, outros impalavam as costas em cacos de vidro, e alguns se afogavam em poças de água lamacenta. Tom tentava ajudar e segurar quem pudesse, mas sempre que o fazia a pessoa se debatia tanto que acabava caindo de sua mão.

Tom então fez o que seu pai lhe ensinou uma vez, a única coisa boa que tinha ensinado, fora esconder o dinheiro na cueca e queimar formigas com a escova de dentes: fechar os olhos e esperar acabar.

Quando abriu, os gritos tinham sumido. Havia corpos por todo o lado, alguns em pedaços tão pequenos que Tom não fazia idéia de como alguém poderia se machucar tanto assim. Com sua pá ele cavou uma cova para cada um, ou o que achava ser um só, jutando vários pedaços. Isso levou a tarde toda, e quando percebeu já estava escurecendo. Juntou o baldinho e bateu a areia das roupas, era melhor avisar a babá que queria ir embora ou sua mãe botaria a culpa toda nele, de novo.

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