Meus sonhos tem o irritante costume de se explicarem dias depois. Semana passada sonhei que estava correndo pela floresta ao lado de um menino sorridente e ele levou um tiro, e caiu. Ficou alguns momentos tentando se levantar, eu gritava pelo nome dele, para olhar pra mim, me estender a mão, mas ele estendeu ela pro lado aposto, e disse obrigado para o nada.
Um homem andava sozinho na chuva, sem pressa. Isso é interessante. Não existe preguiça na chuva, não existe motivos banais para se molhar, ninguém se molha porque é bom. Eles simplesmente não se importam, tem preocupações demais. É como aquelas pessoas que ficam mais bonitas tristes. Ele tinha tudo, uma mulher esperando com o jantar na mesa, uma filha estudiosa, emprego, até um cachorro idiota que mastigava seus chinelos. Mas ele nunca teve o que quis. E isso foi acumulando, pouco a pouco ele sentia que algo estava faltando, mesmo tendo tudo. Bem no fundo o homem tinha vontade de encontrar sua casa em chamas, ler as manchetes no dia seguinte sobre a tragédia que matou uma família inteira. Ai sim ele teria motivos pra reclamar de como a vida era injusta, poderia chorar sem que o julgassem se era digno das lágrimas. Mas logo chacoalhava a cabeça e dizia a si mesmo que esse pensamento era ridículo. O que será que tinha pro jantar?
Antes de ontem sonhei que caçava alces na floresta. Pensei ter visto um movimento e atirei.
Algumas vezes o homem entendia usuários de drogas pesadas (ou animais quando tentamos tirar a comida deles) e sua obsessão por aquilo que desejam. Dispostos a sacrificar qualquer coisa por segundos satisfeitos, míseros segundos em que os motivos da existência sumiriam. Afinal, existimos para querer, não é mesmo? Sempre vamos querer.
Ontem sonhei que era um anjo, e meu Criador tinha me enviado para a floresta. Ouvi um disparo e rapidamente encontrei um menino no chão, com olhos de quem não tinha muito tempo sobrando. Um sujeito gritava coisas do outro lado, mas o menino olhou diretamente pra mim e estendeu a mão.
Onde estão as máquinas que fazem o cérebro se sentir satisfeito? Perguntava o homem ao nada, a cientistas imaginários que naquele momento deveriam ser demitidos. Ele perguntou a um operário no ônibus se ele teria uma vida vegetativa e sem desejos, em troca dessa normal. O operário disse que não, pois a graça da vida está nas dificuldades. Isso causou um ataque histérico no homem, que saiu dizendo que era mentira, que todos aceitariam uma vida vegetativa sem preocupações, uma vida toda de músculos atrofiados, sem dor nem decepções, que esse papo todo de preferir viver o real era hipocrisia. Então ele se jogou do ônibus.
Hoje sonhei que fugia de casa e corria ao lado de um homem pela floresta, estava muito feliz por ter finalmente a coragem de fazer o que sempre quis. Ouvi um barulho e senti uma ferroada nas costas, que me jogou ao chão. Alguém me chamava, mas uma luz forte vinha do outro lado. A luz não parecia real, a voz sim, pra quem estendo a mão?