Lítio

Lítio

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Meu hobby é esperar aqueles jovens idiotas que vem fazer trabalho voluntário aqui no hospital e pedir pra aumentarem a dose de morfina e acabarem de vez com isso.
Nunca entendi porque eles fazem isso afinal. Quem é o imbecil que vai contar histórias pra um idiota mal humorado no leito de morte? O que eles esperam ganhar com isso, redenção divina? Perdão pela vez em que ejacularam no chão do quarto da irmã?

Não sei se sabem, mas pacientes que recebem doses diárias de morfina tem um limite, dependendo da intensidade da dor (e da sorte do sujeito). E somente os médicos podem aumentar a dose, com uma senha e blabla medidas de segurança. Isso é facilmente resolvido com uma garrafa de whisky importado ou ingressos de qualquer coisa que pareça ter custado muito dinheiro.

Ai é só fazer uma cara de coitado e pedir pra eles aumentarem a dose até um nível proibido. Pedir pra acabarem de vez com isso tudo, não aguento mais, cansei de sofrer, não tenho mais sonhos ou expectativas, só quero ter um fim tranqüilo, quero dormir e acordar em um lugar melhor, não tenho mais visitas nem ninguém pra me prender aqui, e nunca vão ficar sabendo quem foi.

Ai sempre tem aquele momento de silêncio em que eles cogitam a coisa toda. Alguns mais medrosos saem de fininho e nunca mais voltam, ai algum psiquiatra mais cansado que eu do teatro todo vem e pede pra mim parar. Outros perguntam se é isso mesmo que eu quero e fazem todo tipo de suposição idiota como ‘e se o superman aparecer bem na hora’ ou coisas do gênero.

Mas tem aqueles poucos que chegam a digitar a senha na máquina e perguntar quanto é a dose máxima. Esses eu convidaria pra um drink se minha situação não fosse tão deprimente.

Mas no fim espero ter certeza de que eles realmente estão dispostos a me matar, e começo a gritar a plenos pulmões. Grito pelas enfermeiras e digo que eles são loucos, assassinos impiedosos querem matar um paciente indefeso, que está passando por alguns conflitos psicológicos mas ainda tem amor pela vida.

Ganho o dia quando as enfermeiras são estagiárias e entram metade desesperadas metade nervosas porque quererem me matar, justo eu, o coitado do quarto 512.

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