Pasargadae

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Em uma noite de domingo resolvi sair de casa, depois de dias botando em prática uma rotina de 3 passos. Saí meio nervoso com a vida e sua prima apatia. Queria encontrar alguma aventura, um perigo. Queria ser assaltado, reagir, mas não ter nada pra roubarem além das roupas. Não encontrei nada disso, só encontrei o quarto da morte. Entrei sem bater mesmo, me sentia rebelde como há tempos não sentia, mas ela não estava lá. Ninguém mandou deixar a porta aberta. Não tinha muita coisa ali, acho que a morte não é acumuladora. Mas não estava limpo demais também, podia ver teias de aranha nos cantos.

A coisa que mais me chamou atenção foi uma moldura dourada em cima da única mesa do quarto. Era pequena, podia pegar nas mãos com facilidade. Ao olhar pela moldura você via os momentos finais de alguém. No começo não entendi, porque sempre achei que a morte seria a responsável por esses momentos. Mas ali percebi que na verdade ela só observava, todos eles. Se a morte não estivesse olhando, você ganhava mais um tempo.

Presenciei o fim de várias pessoas. A maioria idosos, em suas camas. Estes quase sempre olhavam em direção a moldura no último segundo, como se soubessem que eu estava lá. Alguns jovens inconsequentes, outros bem conscientes, mas inconsoláveis. Esses nunca olhavam em minha direção. Apareceram crianças, mas eu fechava os olhos até a cena mudar, sem saber, ou querer saber, se isso adiantaria. Fechei também quando uma mulher que parecia minha mãe estava prestes a atravessar a rua. Sei que não era minha mãe, mas fechei eles bem forte e olhei pro lado.

Quando não aguentava mais ver através do espelho, deitei no pequeno colchão jogado no canto do quarto e dormi pelo que pareceram dias. Quando acordei, a mesma história ainda esperava na moldura, paralisada até botar os olhos nela novamente. Resolvi ficar ali, até que a dona do quarto voltasse. Não sei bem o que comeria, ou onde tomar banho. Talvez foi isso que levou a morte a sair, um bom banho quente e fast-food barato.

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