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Mal percebi quando comecei a percorrer a estrada estreita de tijolos brancos. Quando finalmente criei coragem para admitir em voz alta para onde estava indo, me deparei com um espectro de olhos gelados. Não causava medo mas era imponente e decidido, disse que ninguém tinha conseguido chegar ao fim dessa estrada e que era presunção demais da minha parte acreditar que ela me deixaria entrar, mesmo que conseguisse ir até o final.

No meio do caminho, já em florestas escuras, úmidas e cheias de sussurros infantis, uma coruja com pescoço comprido pergunta o que pretendo fazer agora que estou tão longe. Digo que vou continuar, já dei meias-voltas demais em outros caminhos, nesse iria até o fim, fosse ou não minha ruína. Mesmo que quisesse, não teria mais volta, ela disse. Essa estrada era como descer um abismo na horizontal, não tenho cordas para voltar. Continuei andando e pude ouvir a voz da coruja morrer ao longe, dizendo seu último conselho, para não tentar controlar o que não podia ser controlado.

No fim da estrada de tijolos brancos tinha uma porta de madeira, pequena e simples, mais velha que o tempo e que parecia nunca ter sido aberta. Do outro lado da porta uma voz deu uma gargalhada alta. Era bela e terrível, distante de tudo aquilo que já tinha ouvido. A origem da voz era inimaginável, por um momento fiquei sem ação, recuei, queria correr, fugir, cortaria meu próprio braço se isso me ajudasse a sair dali. Em outro momento queria atravessar a porta, queria ver quem estava atrás, sabia que a morte esperava aqueles que se deparavam com ser tão sublime, mas queria olhar, só por um momento, minha vida teria valido a pena. Então desmaiei.

Ao acordar vi que estava deitado na soleira da porta, encolhido e com frio. Não tinha mais forças para levantar, não comia há dias, e não sabia por quanto tempo dormi. A voz falou de novo, dessa vez não era terrível, mas continuava bela, e cansei das vezes em que cogitava nunca tê-la ouvido de verdade, e sim sentido dentro da minha mente, vasculhando lembranças e brincando com meus sentimentos. Nós conversávamos ininterruptamente, ela procurava todo tipo de resposta, queria saber tudo que eu sabia e não aceitava não como resposta, o sol e a lua eram relances, vi a primavera passar com sua cesta de flores na mão, vi o verão com fogo nos olhos.

Um dia tudo parou, e levantei. Encarei a porta e consegui dizer o que vim dizer, desde o início da jornada pela estrada de tijolos brancos. Como faço para entrar no seu mundo? Qual a palavra mágica? A senha que vai fazer a porta abrir. Sei que se desistir e virar as costas vou acabar devorado, então vamos conversar, jogar xadrez. Quem perder conta um segredo. Só preciso de uma vitória.

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