Lift

Lift

Categories blur


Temos deveres, deveres de salvar quem esteve condenado pelo que um dia chamaram de eternidade, salvar aqueles que não acreditavam mais poder ser salvos, que vagavam por onde quer que tivessem sido expulsos sem esperanças ou expectativas.

Eu o encontro e desço, ando ao seu lado e sinto meus pés queimarem.

– Vamos – digo – dez mil anos andando no fogo é o suficiente, você pode ir pra casa.

Ele ri, não levanta os olhos do chão, e ri da minha cara. Pergunta o que acho que estou fazendo, pergunta se penso que ele ainda tem uma casa.

Digo que sim, ele tem, e pode voltar, pode parar de andar e queimar os pés, sua pena foi cumprida. Ele me manda embora com um grito alto, e no breve momento que ficou parado no mesmo lugar olhando pra mim, senti o cheiro de carne queimada saindo dos pés.

Faço chover, uma chuva grossa, mas que luta com o fogo, que lava o corpo sujo de dez mil anos de fumaça e cinzas, ele fica em silêncio e continua andando, depois pede pra mim parar, diz que é inútil, não vai sair, não quer ir embora, não merece, não importa o que anjos ou deuses digam, seu lugar é ali, pela eternidade.

Fico confuso, e pergunto porque, o que ele pode ter feito de tão errado.

Ele diz que perdeu as chaves de casa. Perca as chaves de casa, e você perde tudo. Você não tem mais para onde voltar, por um momento se esqueceu de como entrar de novo na sua vida, agora foi banido, e esperavam por ele lá dentro, e esperaram, até morrerem na espera, secos e esperançosos.

Digo que meu trabalho é salvá-lo, e pergunto de que maneira então posso fazer que não o tirando dali.

Ele me pede algo simples. Me pede para fazer com que todos se esqueçam dele, todos, em todos os tempos, futuros e passados, e ali, caminhando no fogo, ele vai ser a própria definição de eternidade, aquilo que esqueceram e não podem mais contar o tempo, a falta completa dele.

Categories blur

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *