Ela fugiu de casa no meio de uma quinta-feira de sol, levando muitas meias, um cactus, e queijo. Viajou a noite toda, conversando consigo mesma e tentando entender porque ninguém mais via estrelas de outras cores, e só as brancas.
Acordou embaixo de uma árvore, e resolveu ficar por ali mesmo, sentada e dando vez a preguiça. A árvore ficava no alto de um morro, pequeno, mas via-se que era um morro, ou deveria ser. E ali de cima dava pra ver a estrada de terra que levava a todos os lugares. E todo tipo de pessoa ia a todos os lugares, sempre passando para ver a menina de meias listradas que não queria ir a todos os lugares.
Uma velha com chapéu de pássaro sentou ao lado dela e ofereceu torta de maçã. A menina agradeceu e ao perguntar onde a velha estava indo, recebeu a resposta óbvia “Onde eu quiser, a estrada leva a todos os lugares. E você menina?”. Não sabendo muito bem onde iria, disse que não iria a lugar nenhum, o que fez a velha ficar pensativa. “Se bem me lembro, lugar-nenhum fica a duas esquerdas daqui, tomando a direita e sempre seguindo ao norte.” A menina agradeceu anotou as direções com gravetos pequenos no chão, torcendo para que não ventasse. Quando olhou pro outro lado, a velha tinha sumido.
Um sujeito um pouco gordo demais, de macacão e carregando varas de pescar sentou ao lado, e perguntou se ela sabia onde diabos as trutas rosas tinham se metido. A menina respondeu que não, não sabia, mas que ele podia ficar a vontade e esperar ver se alguma truta rosa passava pela estrada. Esperaram até o sol se pôr, e aquele pôr-do-sol era diferente, era roxo. A menina se levantou de sopetão e abriu um sorriso, dizendo que eles eram muito muito sortudos por terem aquele pôr-do-sol, e que daria tudo para que durasse eternamente. O sujeito um pouco gordo demais levantou e pegou uma vara de bambu. Tomou distância e arremessou, quase caindo no chão, em direção ao sol. O anzol prendeu e ele começou a puxar, deixando a linha bem esticada, então enfiou a vara no chão. “Pronto, ai está, agora o sol só vai embora se você quiser.” A menina não sabia como agradecer, e entregou suas coisas ao sujeito um pouco gordo demais, dizendo que ali, havia tudo. Depois de admirar mais um pouco o pôr-do-sol roxo, ela se virou e ele tinha sumido.
E lá ao longe ela viu um cavaleiro, que chegou apressado, perguntando se ela estava em apuros. A menina disse que não, estava só descansando, mas que se ele fizesse questão ela ficaria em apuros. O cavaleiro ficou desapontado e sentou ao lado dela, dizendo que iria descansar também, a viagem do castelo até ali era longa. “Que castelo? Ora, o único desse reino, castelo de Azar.” Nunca tendo ouvido falar do castelo, mas não querendo que o cavaleiro ficasse triste, perguntou se eles tinham uma távola redonda e magos e cavaleiros negros proscritos. “Sim sim, temos tudo isso, e bobos da corte. A Corte de Azar.” E tão apressado quanto chegou, o cavaleiro se despediu, montando em seu cavalo e dizendo que tinha que encontrar alguém em apuros ou perderia o emprego. A menina ficou olhando ele ficar pequeno no horizonte, e jurou que ele sumiu depois de uma piscada mais longa.
Limpando o vestido, ela levantou e deu uma última olhada no pôr-do-sol. Ai soltou a vara, e ele se pôs. Juntou os gravetos que diziam a direção de lugar-nenhum e seguiu seu caminho. Quando a árvore agora era só um pontinho atrás dela, reparou que faltava uma pedaço do céu. Olhando melhor, não faltava, mas estava em branco. Já não ia a lugar-nenhum, agora precisava encontrar lápis-de-cor.
imagino quais cores ela usaria para pintar o céu…