E aqui estou, esperando a bola fazer sua parte e viajar das mãos que a jogaram até as minhas, para depois voar das minhas até as próximas. No ar ela é bonita, brilhante, ouço risinhos infantis que não estão ali, e sussurros baixos demais para sequer pensar sobre. Quanto mais perto a bola está mais intenso fica. O que era de borracha colorida, vira um emaranhado de agulhas finas, sem padrão definido, feio, disforme. As crianças dão lugar a gritos de desespero (se gritarmos no volume de um sussurro, o que ele é?), e a bola chega, seguro ela e sinto as agulhas entrando, umas vão fundo, outras cutucam, outras rasgam, e ali, no clímax da dor, não penso em mais nada, meu corpo fica dormente por um momento, e faço o movimento de volta para arremessar a bola, ela sai com dificuldade da minha mão, agora suja de sangue, e voa, se transformando no ar, ganhando cores e texturas bonitas, e a alegria volta, meus machucados não importam, a beleza do mundo pesa muito mais na balança do que a dor de um ser só. E a bola volta, assassinando as canções com baques surdos, que dão lugar a gemidos agourentos, crescendo para exclamações de agonia, e seguro de novo, agulhas entram em feridas abertas, outras quase cicatrizadas, algumas embaixo das unhas, e minhas pernas chegam a cambalear. Depois o nada. E arremesso de novo a grande bola de agulhas, sujas, sem forma, sem saber quanto tempo isso vai durar, primeiro querendo me livrar de tudo, o mais depressa possível, é insuportável, para depois não aguentar viver sem aquele objeto simples, colorido, me joguem, eu preciso dela.

Dry, Dry, Dry
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por que tudo que é aparentemente inútil ou ilógico torna-se necessário e vital?sinta-se encorajado a responder…