É assim, em um momento estou aqui, voltando pra casa, no outro estou nesse mundo borrado e meio torto, sempre com o mesmo anão velho e narigudo segurando aqueles apoiadores de velas com uma mão e acenando para segui-lo com a outra. Andamos alguns minutos, e da mesma forma como apareceu, tudo some e estou voltando pra casa de novo, pensando em que vou por no meio dos pães e chamar de jantar.
Não sei porque estou contando isso, já que geralmente esperam aventuras e reviravoltas, mas não. Eu só sigo ele, desde criança, sigo até onde aquele mundo acaba, e depois continuo o que estava fazendo. É meu dom, ou seja lá o que for, e não vou fazer nada com ele, como tentar falar com o anão, ou desviar do caminho, ou sair correndo a frente dele. Vou seguir, e só.
Talvez seja justamente por isso, que aconteça comigo. É como poder ver dragões e sereias, eles só aparecem pra quem nunca vai pensar “será mesmo que vi um dragão?”.
Sonhos são sonhos porque contam eles para os outros. Viva sozinho, sem contato com ninguém, que cada sonho seu se tornará mais material até você se perder no outro mundo.
Então me perguntam, com sorrisinhos de vitória no rosto, como do sujeito que achava ter decifrado a esfinge, se contar acaba com os sonhos, porque estou contando?
Para sentir algo ao invés dessa calma eterna. Para entrar no meu mundo e ver monstros com dentes afiados e ninfas com facas na mão.
Da próxima vez aquele anão narigudo está parado, a vela já derretida queimou sua mão, mas ele parece não se importar muito com isso. Está parado do outro lado de uma poça no chão, a água brilhante, refletindo uma luz que não está no céu. Caminho pra perto e olho no fundo, nada lá além do reflexo. Espere, tem sim, tem vozes, e o anão sorri, ai penso que foi esse sorriso que a esfinge deu quando o herói não encontrou a resposta.
Mesmo assim não hesitei, e mergulhei na poça, o que claro era muito maior que uma simples poça no interior. Fitas vermelhas nadavam em grupos, ao redor de mim, curiosas. Lá no fundo tinha uma cabana de madeira, com as luzes acesas, e me dei conta que no fundo do oceano sempre é depois do por do sol.
Bati na porta e uma senhora sorridente me atendeu, mas perdeu o sorriso do rosto logo em seguida, perguntando o que eu estava fazendo ali. Entrou apressada e trouxe um casaco, jogando por cima dos meus ombros. Disse que eu precisava voltar, e rápido.
Eu só estava vivo porque tinha aguentado mais que todos os outros, sem contar a ninguém ou tentar coisas estúpidas.
Aqui estou, preso a uma cadeira, com um chapéuzinho de hipócrita, esperando mais uma platéia chegar. Preciso entreter todos eles, o tempo todo, esse é meu castigo.
Tenho que ser interessante, engraçado, eles esperam muito de mim. Tenho que valer a pena, fazer contar o ingresso, e sorrir, acima de tudo, mostrar que estou feliz.
Agora tento engolir meu orgulho e torcer para me pescarem dessa poça. Não importa quem seja, desde que me puxe pra cima. E o dia chega, o anzol dói, rasga a pele, mas é tudo por uma boa causa, não é. Meios para um fim.
E me puxam da água, está frio, mas consigo sorrir, e agradecer. Percebo que ainda estou ali, pendurado, e seja lá quem for que me pegou, corta a linha, e caio de novo, com um anzol atravessando a pele.
sonhos as vezes querem ser apenas sonhos e os colocamos em categorias desconhecidas a eles.