Vamos fazer de conta que assim, do nada, a sala virou um tabuleiro de xadrez. As peças estão lutando entre si, e ninguém parece notar duas pessoas paradas olhando.
Vamos fazer de conta que a rainha branca vai nos perguntar para onde vamos, e depois de tentar explicar a ela que não sabemos como pegar nosso caminho de volta, a rainha vai dizer ‘Como assim caminho de VOCÊS? Todos os caminhos são meus.’
Vamos fazer de conta que no horário mais bonito do dia, pintamos no chão a sombra que o sol faz ao passar pela janela. Com isso o tempo para, congela. Você também para, congela, mas com um sorriso no rosto, e me dou conta que somente eu poderei fazer o tempo voltar ao normal, apagando nossa pintura.
Nunca vou apagar. Nunca vou fazer ele voltar ao normal. Agora sou um mártir, o guardião que impede seu sorriso de ir embora.
E ali, na minha fortaleza, sou visitado por um mensageiro alado, com olhos tristes, que diz entender meus motivos, mas infelizmente manter o tempo parado não é assim tão simples. Devo percorrer a floresta sem nome, o deserto sem começo, e navegar os mares sem futuro, só então serei aceito como o guardião do tempo. Se eu falhar, o tempo correrá normalmente.
O horror de imaginar que seu sorriso pode sair do rosto a qualquer momento, por razões infinitas e fúteis.
Na floresta sem nome, esqueço quem sou, onde estou, e pra onde vou. Sigo não sei o que, não sei por onde, e vejo muitas coisas estranhas. Esqueço seu nome, e sinto mais medo do que jamais senti.
Nomes não importam, definições não importam.
Chamo isto de azul, aquilo de colher e chá, e mais adiante, veja só, tão pequeno que vou chamar de arranha-céu.
Quando me dou conta estou num deserto, não vi ele chegar, e é claro, ele não tem começo. Aparece, interrompe tudo. Ou será que sempre esteve ali? Debaixo de toda floresta tem um deserto?
Ando ando e meus olhos doem pela areia que bate, uma tempestade de areia, surgiu do nada. Me dou conta que estou pensando coisas demais, perco a linha da razão, nada começa, tudo já esta ali, se desenrolando e fazendo a mente embaralhar, penso em pedir por socorro, mas descubro que já estou pedindo, e quando sinto a tristeza da consciência de que não vai ter ajuda, me dou conta que ela sempre esteve ali.
Vejo o deserto acabar, e me jogo no mar, afundando e afundando. Aqui nada tem futuro, as coisas vivem como chegaram, não morrem, não saem. Vejo heróis musculosos e com armaduras brilhantes, músicos com roupas engraçadas, generais, maestros, pintores, palhaços. Todos sem futuro, sem esperança, sem sonhos ou desejos.
Aqui o tempo passa, mas ninguém consegue o que quer, nem nunca vai conseguir, nem nunca vai sumir, ou morrer de velho.
Lembro de quando te conheci. Lembro da nossa música. Lembro de nunca mais dizer que não sei para onde vou, você me ensinou isso.
O mar abre, e eu vejo a saída, era isso, as lembranças, não as aspirações. O futuro nada mais é que o que não existe, nem vai existir, porque se existir, deixa de ser futuro. O que existe são as lembranças, moldadas e trabalhadas, em jarros decorados, ou monstros enormes que vão te despedaçar.
Saio dos mares, me sinto mais velho, mais sábio. Agora acabou, posso ser o guardião do tempo, seu sorriso vai durar enquanto eu viver, e isto é uma promessa.
restaria dizer… por quanto tempo um sorriso imaginário pode durar?