Eterno

As coisas não fazem mais tanto sentido quanto faziam antes. Tudo vai ficando mofado, e fazendo rangidos assustadores. O vento deixou de ser brisa para ser somente vento, e derrubar as coisas, que somente ele acha graça. A luz deixou de fazer sombras, e só faz os olhos arderem. As sombras deixaram de tomar formas de animais para assustarem parecendo galhos secos ou monstros do lago.

Estou perdendo a visão. Enxergo tudo com bordas escuras que cada vez mais diminuem o quanto consigo ver. Alguém pintou bolinhas pretas nas lentes dos óculos. Roubaram as muletas, e quando encontrei, estavam cortadas ao meio. Cospiram na comida, posso sentir, e esmagaram insetos no fundo do prato.

Tem alfinetes na cama, e pedrinhas pequenas dentro do travesseiro. Resolvi dormir no chão, mas grande parte dele está molhado e com um cheiro estranho. Rasgaram minha calça no meio das pernas, e tiraram as palmilhas do sapato. A escova de dentes tem um gosto horrível, e parece que lavaram algum animal com o sabonete.

Meus sonhos estão tortos, em um ângulo incômodo, e preciso fechar os olhos dentro deles para não ficar tonto e vomitar. As luzes piscam o tempo todo, com mariposas enormes batendo nas lâmpadas e fazendo aquele barulho no vidro.

Quando estou prestes a dormir ouço alguém gemendo baixinho, tão baixo que fico em dúvida se está dentro ou fora da cabeça.

Acordei com cortes pequenos pelo corpo, que ardem quando se misturam com o suor, e mancham as roupas aos poucos. Alguém quebrou 2 pernas da cadeira, e tem uma cabeça de rato na jarra de água.

Não consigo mais ouvir, e tudo tem gosto de ferro sujo. Penso ter visto um pássaro, mas quando chego perto…