Tinha virado um peixe, desses que vem em sacos plásticos como brinde para criancinhas, e que vão ter nomes simples e felizes. O pior de tudo é que eu estava em um saco plástico. E ele tinha um furo pequeno, a água vazando.
Não sabia se dava tempo de pensar no porque tinha virado um peixe, então simplesmente entrei em desespero e nadei em círculos imaginando que conseguia gritar por ajuda.
Reparei que demoraria bastante para vazar toda a água.
E agora, o que fazer nos meus primeiros últimos momentos como peixe?
Nada. Nada de tentativas heróicas de furar o saco plástico e cair miraculosamente em um balde que vai ser jogado no oceano. Nada de girar o saco para o furo ficar virado pra cima.
Tomei a única estrada que conhecia. A de se conformar e esperar. Cheguei naquele ponto onde os peixes só ficam deitados, com a boca no resto de água que sobrou, sufocando com todo aquele ar inútil. Durou pouco tempo, tenho de admitir, e logo eu estava sendo carregado para cair no vaso sanitário.
O vortex da descarga te leva a lugares curiosos, com vários animais de estimação de olhos tristes vendo você passar em um barquinho.
Com violinos ao fundo, cheguei em um jardim que cheirava a aromatizante de banheiro.
Todos me olhavam o tempo todo, não sabia o que fazer, ou como me fingir de peixe. E se eles descobrissem que era humano antes?
Vi uma menina no canto. Com olhos enormes que brilhavam, estava cutucando uma lesma. Pensei que talvez ela me entendesse e explicasse o que era aquilo tudo. Mas depois de muito tempo tentando gesticular, percebi que ela não me entendia, e desisti. Fiquei ali do lado dela pensando em droga nenhuma.
Fechei os olhos e pensei que nada daquilo fazia sentido, então devia ser um sonho.
Acordei e era quinta-feira.
Fechei os olhos de novo, e pensei que nada daquilo fazia sentido, então devia ser um sonho também.
Acordei em uma sala branca, com milhões e milhões de camas com pessoas todas de branco deitadas. Fichas do lado das camas diziam quem as pessoas eram, datas de nascimento e coisas estranhas como “Início da Hibernação”, “Fim da Hibernação”.
Um sujeito levantou gritando e ameaçando correr por ai, me viu e perguntou onde estava, se tinha morrido. Falei que não sabia… e ele contou que estava viajando e perdeu o controle do carro. Peguei a ficha da cama dele e perguntei que dia era quando ele perdeu o controle do carro. “Quinta-Feira” ele disse. Mesma data do “Fim da Hibernação”.