Death to Birth

Death to Birth

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Decidi fechar os os olhos e correr o mais rápido que conseguia.
Incrível como, ao contrário do que imaginava, você pensa menos do que o normal. Só sente, e sente.
Passei por coisas grandes e peludas (ou seriam musgos?)
Passei por garras compridas e pontudas (ou seriam galhos?)
Passei por cachoeiras que podia jurar que estavam caindo da esquerda pra direita.
Percebi que quanto mais corria, mais minha memória era apagada. Senti primeiro todos os gostos que conhecia, vinham e eram perdidos na boca, um por um. Desde que vomitei cebola e mel semana passada, até a torta de milho que minha avó moía na colher quando nem tinha dentes direito.
Ai vieram os cheiros, perfumes, bons e ruins. Passavam por mim e morriam no ar que deixei pra trás.
As lembranças podem dar medo, aprendi enquanto corria. Lembrava de pessoas, que sentia estarem do meu lado correndo comigo, ou contra mim, por alguns segundos antes de sumirem.
Lembrei de lugares, grandes e pequenos, apertados, quentes, úmidos e frios.

Perdi meus sentimentos, um a um saindo de mim como se arrancassem um espinho de ferro frio e comprido. Todos eles da mesma forma, não havia distinção entre amor e ódio, eram iguais, a dor era a mesma.

Perdi meus sentidos, por último o tato, e percebi que não tinha perdido o medo.
Tropecei e cai, e cai e cai por o que pareceu uma eternidade, sem sentir nada, só o medo.

Cai em um pedaço de tecido enorme e macio, tinha meus sentidos todos de volta. Um anjo me observava quieto.
Perguntou se eu acharia que os sapatos de cristal da Cinderela, na verdade, teriam quebrado ou seriam lisos demais.
Respondi que nem um nem outro, eles eram perfeitos.
Ele riu e disse que fosse lá qual fosse a resposta, ela caiu da escada.

E o abismo veio de novo, me dei conta que a eternidade é apenas mais um sentimento, como a alegria ou tristeza. O tempo é um sentimento, e pode demorar para sempre mais de uma vez.

Dessa vez cai em um lago enorme e frio. O mesmo anjo me observava quieto.
Perguntou se eu achava que a Bela tinha atirado na Fera, ou se a Fera não se conteve e devorou a Bela.
Respondi que nem um nem outro, ela tinha quebrado a maldição.
Ele riu mais alto, e disse que com ou sem tiro, ela foi devorada. Mas a Fera se arrependeu de seu crime, e num acesso de loucura abriu o próprio estômago.

Abismo, e minha terceira eternidade. Penso que foi assim que Dante se sentiu ao passar pelos anéis do inferno. Cada um deles era uma eternidade.

Cai em um monte de penas, que tinham um cheiro insuportável de carniça. Dessa vez só ouvia a voz do anjo.
Perguntou se eu achava que o Caçador teria morrido para o Lobo, ou se matado quando descobriu que atirou em duas pessoas dentro da barriga dele.
Gritei que bastavam esses joguinhos. Minhas histórias eram felizes e com lições de moral, não contos tristes sem sentido.

Cai de novo, e cai e cai. Dessa vez o fundo era duro e árido. O anjo não estava mais ali.
Só tinha uma planta preta perto de mim, seca.

Eu era o mais novo Pequeno Príncipe, mas meu mundo era triste e desolado.
Não tinha água para regar minha planta, nem uma cama para dormir.

Sentei no chão e abracei meus joelhos, balançando e cantando a única canção que lembrava.

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