Porque justo eu, que entendia eles melhor que ninguém? Que ouvia suas lamentações e acenava a cabeça?
Porque me largaram aqui, sem dizer o motivo.
Algumas coisas combinam só porque devem combinar, é a única explicação que encontrei. Como chuva e bancos, qualquer banco público, de praça ou esperando pelo ônibus. Me sinto feliz se estou sentado num banco e chove, abençoado de certa forma.
Sinto que estou ficando velho, mas não pela idade, e sim pelo valor que dou a coisas inúteis. Talvez seja a melhor forma de medir a velhice. Pessoas jovens não se importam com muitas coisas, tirando si mesmas e alguns casacos. Eu por exemplo dava tudo por um sótão. Qualquer um, podia ser numa casa que não fosse minha, só queria um sótão escuro, com uma janelinha pequena de vidro, onde pudesse deitar do lado em dias de tempestade e me sentir seguro enquanto o vento brincava lá fora.
Queria me enrolar nas cobertas e abraçar os joelhos, pensar que nunca saí do útero (ou que nunca me arrancaram de lá).
Queria encontrar aquelas criancinhas vendendo limonada, e comprar muitos copos. Não pagar caro por um só, mas comprar todos por 50 centavos ou seja lá o preço que eles decidirem cobrar. Queria não ter pena das pessoas felizes demais, ou ao menos saber a razão disso. Ser louco e poder cantarolar qualquer coisa sem que pense em quem vai ouvir, ou saber fazer a própria comida no meio da floresta.
Ouvi alguém dizer que ganhou 5 quilos de chocolate, e senti inveja pelo tamanho do jarro que ela teria ganho junto para guardar os chocolates. Agradeço a deus, ou anjos, ou buda, por minha cama ser encostada na parede e poder me encostar nela. Coisas de velho, como disse, como meu avô não conseguir comer se não for na segunda cadeira do lado de lá da mesa. Ou por sempre comer só metade da salada, para se servir com o resto depois.
Juro que se amanhã eu acordasse no meio de um país pequeno, não procuraria saber o porque nem tentaria voltar, só aceitava isso e procurava uma casinha com um sótão, e teria vizinhas velhas que me trariam torta, casaria com uma mulher qualquer que gostasse do mesmo tipo de cachorro que eu e não me achasse estranho por preferir dormir no sótão.