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“Olá,
não sei quem você é, nem o que faz, mas achei seu endereço e resolvi tentar a sorte.
Sou o guarda noturno de um museu em Paris, e estou prestes a fazer algo grande.
Retorne se interessado.
Passar bem.”

Essa foi a carta que recebi. Só abri ela na madrugada de domingo. Já reparou que domingos são deprimentes? Não repare.

Retornei, porque não tinha motivo pra não fazer. Chega um ponto que você espera qualquer coisa, mesmo sendo algo ruim, desde que seja novo e diferente.

Disse que estava interessado e perguntei o que deveria fazer em seguida. Falei que atualmente era porteiro de um clube para idosos, mas que mudava de emprego a cada mês. Falei também que não era um serial killer.
Nem sei porque disse isso, mas pareceu adequado. Se mandasse uma carta pra alguém aleatório ficaria feliz em saber que ele não era um serial killer.

“Olá,
agradeço seu contato.
Vou mandar cartas a cada semana relatando eventos sem conexão alguma, e sem propósito.
Depois de um mês vou enviar um número de telefone, ligue se estiver interessado.
Passar bem.”

Depois disso ele realmente mandou cartas contando coisas sem sentido.
Falava que trabalhava das 22:15 até as 6:30. Tudo que devia fazer era bater o cartão na entrada, por o crachá (que por sinal eu achava bem estúpido, e ele também, porque ninguém vai aparecer nesse horário… mas ele disse que entendeu quando estava trocando de turno numa manhã e leu o nome do outro guarda “Louie” e deu bom dia ao Louie), e sair andando por ai.
Vez ou outra ligavam perguntando como estavam as coisas, isso a cada 5 dias. Era um trabalho tranqüilo, mas monótono.
Disse que no museu que ele trabalhava não tinha muitas obras famosas, mas se alguém resolvesse roubar o lugar sairia bem de vida.

Era curioso, ficar andando todo dia no meio de coisas que certas pessoas davam uma importância absurda. Podia até tocar, se desligasse os alarmes certos.
Tinha uma empresa que deveria cuidar quando algum alarme fosse desligado sem aviso prévio, mas sabe-se lá porque ninguém nunca ligava.

Ele via todas as obras que queria ver, olhava por muito tempo, totalmente absorto em seus pensamentos, tentando entender aquilo, o artista, o movimento em que diziam estar presente a obra. A maioria dos quadros achava simplesmente uma droga, sem sentido e desnecessários. Achava que as pessoas davam um crédito absurdo a coisas idiotas.

Preferia esculturas ou quadros mais abstratos, nada de paisagens e pessoas sentadas, com aqueles roupões enormes e bochechas gordas.
Alguns quadros em particular ele olhava durante horas ouvindo música. Música clássica, ou alternativa, instrumentais ou mantras.
Outros via somente bêbado, e tinha que vomitar depois antes de ir embora.

Depois de um mês mandando cartas, disse o número de telefone. Liguei e uma mulher atendeu, o que foi inesperado. Falei “e agora?” e ela disse meio que automaticamente “diga rapidamente quantas cartas eu te mandei”
Falei que não lembrava, que precisava contar. Vieram uns ruídos do outro lado da linha, e duas pessoas conversavam. Ai a mulher disse “olha tem um maluco aqui que vai me dar 100 dólares se você me responder direito, então colabora, vê la quantas cartas, ele é pirado cara”.
Fui e contei, eram 17 cartas, a primeira que respondi, 15 só textos, 1 desenhada com um mapa do museu feito com giz de cera, e 1 em branco.

Ouvi mais uns ruídos, e um “foda-se, você é maluco”.
Ai um homem atendeu, meio nervoso, falou que eu era o único que tinha retornado a ligação, que depois dele enviar as primeiras cartas pra endereços aleatórios somente 3 pessoas responderam. Eu, um travesti que queria fazer sexo por correspondência e era aficcionado em zoofilia, e uma mórmon que tentava converter ele à distância.

Me contou sua vida toda, e disse que ia me mandar dinheiro pra compensar a ligação.
Desligou e nunca mais ouvi falar dele, nem cartas, o telefone não respondia por meses, depois uma mulher atendeu e disse que era de uma loja de móveis usados.

Liguei no museu e perguntei se eles tinham trocado recentemente de guarda noturno, o sujeito era neurótico e perguntou como eu sabia, se iria roubar o museu, e se sabia quem ele era. Falei que não, que conhecia o antigo guarda mas que ele sumiu.

Ele disse que sim, que ele tinha simplesmente sumido, sem dar satisfações a ninguém.

Queria ser guarda de museu, no turno da noite.

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