Você acorda e está em um quarto com pouca luz e cheiro de amaciante de roupas. São 5 anos a menos do que a época que imaginava ser e nenhum de seus amigos existem, eles na verdade são objetos do quarto. Os dois amigos mais próximos, um abajur e um pinguin de pelúcia.
Pessoas que há anos imaginava não ter contato tentam te explicar que você desenvolveu um tipo avançado de esquizofrenia e não sabia distinguir mais o que era real. Criou uma rotina baseada somente na mudança de luz do quarto e personificou amizades e relações com todo tipo de objeto real e imaginário.
Então você olha pra um canto do quarto e vê sua mesa do escritório, e uma chaleira com a gravata do seu chefe.
Então você vê uma pomba morta com a cabeça suja de torta e lembra vagamente de ter jantado fora com sua prima.
Colocam uma caixa de remédios na sua mão e dizem ser uma nova droga experimental, e que funciona em aproximadamente 30% dos casos. Dizem que você não responde mais legalmente por si mesmo. Você é a esperança de dezenas de famílias. A esperança que seus entes queridos ‘acordem’ do mundo paralelo em que vivem e voltem pra realidade.
Então você olha para a sala da frente e vê os óculos daquela garota que te deu mole nas férias no litoral, ao lado de bitucas de cigarro e uma latinha amassada.
Então você ouve uma empregada perguntar se pode trazer o almoço para o quarto e percebe que ela tem a mesma voz do seu despertador comprado em Hong Kong. Dizem que Hong Kong ficava na despensa, e esboçam um sorriso com medo da sua reação.
Sua reação é a reação normal de quem teve 70% de chance de continuar feliz mas não podia mais responder por si mesmo.