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Quero acelerar o máximo possível, e seguir em linha reta, olhos fechados e apostando quanto tempo tenho até bater e voar pela janela, ser arremessado por campos verdes, quebrando espelhos vitorianos, atravessando aquários que por algum motivo insistem em estar no caminho. Voar, nunca por nuvens, elas sempre estão abaixo, mas voar sobre cidades inteiras, leve, mais rápido que cavalos brancos, aqueles com príncipes em cima, dando voltas e indo cada vez mais rápido, pântanos enormes, com luzes de fantasmas esquecidos, de cabeça baixa, que acenam, planícies sem nada além de cabanas de madeira com chaminés esfumaçadas, e cães velhos com um olho cego, que não acenam, seguindo a linha das montanhas, sempre voando, passo por nuvens que vão chover sapos, senhoritas de vestido com guarda-chuvas vermelhos lembrando que esqueceram o frango no forno, e me dou conta que o para baixo agora é o novo para cima, as gaivotas batem as asas ao contrário, e os relógios não contam mais quanto tempo passou, e sim quanto falta, voando por igrejas de ponta cabeça, com padres gordinhos, que acenam, e carruagens guiadas por girafas, que não acenam, passo por florestas de cerejeiras rosadas e um lago que não acaba nunca, vai só esbranquiçando, até tudo virar leite, o céu vira leite, e eu bato em um muro, primeiro ele é duro, sólido, depois quebra, o tempo fica lento, os destroços flutuam, gosto de sangue na boca, e com um baque surdo eu saio do outro lado.
Tropeçando, vejo que uma senhora com um casaquinho de lã estava me esperando, sentada num banco. Ela ri e fala pra me apressar pois os biscoitos vão esfriar, ou, na melhor das hipóteses, serem comidos por monstros do lago.
Passam cinco anos e vejo que está na hora de ir embora daquela casa, com o teto maior que o chão, e faço aquelas trouxinhas de roupas de desenhos animados, penduro no ombro e dou adeus a senhora fazedora de biscoitos, que acena.
Sinto que vou conhecer alguém diferente, e sete minutos depois você está viajando do meu lado, com as mãos atrás das costas, falando sobre flores e animalzinhos peludos.
Sete minutos depois você foi embora, percebo que esperei a vida toda por você, e agora não aguento mais sete minutos de nada, jogo fora meu nome e meus objetivos, sou um andarilho esfarrapado, mas sem tempo pra nada, porque perdi completamente meu tempo e sei que larguei as motivações no fundo de algum laguinho. Esqueci se sou vilão ou mocinho, e com isso decido procurar um bom par de óculos e livros para ler. Leio uma biblioteca inteira, por anos, contos de sorte, histórias de azar, dragões, bruxas, vampiros monstruosos, vampiros belos, amores mais doces que meu chá esquecido embaixo de alguma pilha de enciclopédias, e lá, no último livro, na última página, encontro um bilhete, seu, marcando um encontro atrás de tudo, depois de tudo. Começo a correr pois sei que não tenho tempo, preciso emprestar algum, e conheço um bom joalheiro fazedor de relógios que pode me ajudar. Troco horas por histórias, conto todas elas, mas ele quer mais, quer a minha história, e sem pensar muito, iludido pelo bilhete, dou minha história a ele, e junto com ela vão-se as lembranças e meu passado, amarrados com uma cordinha gasta.
Saio apressado da loja, agora com tempo de sobra, mas não sei mais quem esperar, e ali me encosto na parede, vendo todos que poderiam ser os amores da minha vida passarem com cones de sorvete na mão. Começo a chorar e vejo que as lágrimas escorrem para uma rachadura no chão, e quando olho por ela vejo que estava o tempo todo em um mundo de ponta cabeças, meu mundo não é esse, e sou sugado pelo buraco, girando tanto que saio do outro lado, vomitando e com a maior dor de cabeça que já se viu.
Aqui estou agora, escrevendo um diário, com memórias inventadas, nada disso é verdade, mas tudo bem, é só começar sempre com Querido Diário, e espantar as moscas.
Aprender a cozinhar, biscoitos, me lembram de algo, nuvens, eram nuvens? Não, era leite, e um muro, e quando encontro o bilhete preso no final do diário as coisas quebram, não só os vasos e o abajur, mas as paredes, e as pessoas, tudo quebra, em cacos que caem e fazem barulhos de sininhos, e percebo que estou ali, atrás de tudo, depois de tudo, e você me espera, com um guarda-chuva vermelho, sorrindo e perguntando se por acaso eu não passei por nenhum animalzinho peludo, ou por flores de perfumes esquisitos.
Nossa viagem levou alguns segundos, mas foram suficientes, e todos estão ali, aplaudindo, menos os homens de negócios, eles correm com maletas pretas na mão. E o que isso importa? O que tudo importa? Nada importa, e acordo com gosto de sangue na boca, fui arremessado da janela, mas as luzes estão ali, e o buraco no chão, e o guarda-chuva vermelho.
que massa essa musica 😮