Você esqueceu que já havia colocado sal na comida. O jantar acaba de ser arruinado. A noite perde a graça. Deitado, frustrado, você pensa no que te faz ser você mesmo. Porque esqueceu do sal. Porque não consegue dizer não a amigos. Porque não tem coragem de seguir suas vontades.
Sendo o cérebro um conjunto de neurônios como qualquer outro conjunto de neurônios, tanto de homens quanto de animais, somos mais importantes pois temos consciência de nós mesmos? O que é a consciência afinal, senão alguns impulsos a mais (ou a menos, vai saber). Se um indivíduo transplantar as memórias do outro, quem é quem? Oras, somos definidos pelo que lembramos. O que te impede de trocar de lugar comigo é aquela festa infantil em que tive minha primeira briga, ou o dia que fingi estar doente para assistir um filme idiota. Eventos que moldaram minha personalidade. Se todas essas lembranças fossem jogadas em uma torradeira, ela seria você. Não me venha com “ah mas eu sou eu, faço e penso o que quero.” Você é limitado a um conjunto de ações ‘humanas’, estas limitadas a o que é aceito socialmente, como todos os outros. Seus pensamentos, como disse, são baseados em sua personalidade, que é moldada por experiências, convivências, e um pouco de sorte na liberação dos hormônios certos. Nossa amiga torradeira tem o que precisa pra ser considerada um ótimo hospedeiro para a consciência: um corpo. E só. Não se esqueça que não passamos de um cérebro. Uma massa cinza em sua própria banheira, dando choques nas células certas. Se a torradeira conseguir simular essas conexões, voilà.
Em um sábado de setembro decidiram lançar meio milhão de balões nos céus de Cleveland, Ohio, para atingir o novo record mundial e arrecadar fundos para a caridade. O grande número de balões fez com que voos fossem cancelados, animais se assustassem, e o resgate de dois pescadores fossem interrompido pois (assim que os balões sofressem da condensação e voltassem para a terra) os bombeiros não conseguiam distinguir uma cabeça na água de um balão. Os organizadores foram processados por milhões de dólares.
Até certa idade crianças não conseguem distinguir elas mesmas nas suas memórias. Um menino que de repente derruba tinta azul sobre sua mão, ao ser questionado sobre quem estava com a mão limpa momentos antes, não sabe dizer que era ele mesmo. Na sua cabeça, aquele era outro menino, agora no passado. Esse acontecimento simples mudou sua consciência. É como se ele tivesse viajado entre realidades e nascido de novo, após ter derrubado a tinta. Seu amiguinho com a mão limpa não existe mais, ele mesmo tomou seu lugar. Pare e pense em quem você era cinco anos atrás, consideraria a mesma pessoa? Dá uma certa vergonha, imagino (se você for novo demais, não sentirá vergonha agora… mas não se preocupe, ela vem). O que nos torna, em parte, adultos, é a percepção de que fomos àquela pessoa anterior ao que nos fez sermos o que somos agora. O amadurecimento, a senciência.