Uma noite um astronauta entrou pela janela do quarto e sentou no pé da cama. Estava cabisbaixo, com o semblante triste. Acendi o abajur e perguntei se ele queria algum dos remédios que eu escondia dentro do cofre-porquinho, minha mãe dizia que eles me deixavam feliz. Só então o sujeito pareceu se dar conta que tinha mais alguém no quarto e forçou um sorriso. Perguntei então se ele era astronauta, o que teve o efeito de uma marretada, e o homem estufou o peito, ficou em pé e disse um bando de números de setores e missões e prefixos de espaçonaves. Então me contou uma história. A primeira de muitas, que se estenderam por vários céus sem nuvens em que ele aparecia. Haviam noites em que eu parecia ficar acordado o tempo todo, e não ter sono na aula da Sra. Hipkins. Um dia plutão não era mais planeta, e o astronauta disse que talvez não pudesse mais me contar histórias. Estava tremendo e tentava forçar uma cara calma, sem sucesso. Ele nunca mais apareceu. Hoje me pego observando as estrelas e pensando se ele contava as histórias para me deixar feliz ou para ficar feliz se sentindo alguém especial. Eu sabia que ele nunca fez nada daquilo, nunca visitou cometas nem foi sugado por buracos negros, nem nada. Quem é mais miserável, o vizinho obeso e possivelmente pedófilo que gostava de se vestir de astronauta e contar histórias pro garotinho da casa ao lado ou o mesmo garotinho, que fazia de conta que nada disso era verdade e preferiria acreditar que um astronauta tinha escolhido ele, e somente ele, para contar suas aventuras.

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