Clarividência

Clarividência

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Quando os cabelos brancos começaram a surgir, fazia de conta que estavam aparecendo nos lugares certos. Onde valorizariam o conhecimento, a experiência e, porque não, o charme, a beleza. Cada cabelo daqueles brotou de um momento inesquecível, mas que o cérebro bloqueou. Não são traumas, mas persistem em algum lugar da memória. Num pântano. Raso, mas sujo mesmo assim.

O que o primeiro arqueologista que encontrou um osso de dinossauro pensou? O que o primeiro que encontrar um osso de ser humano vai pensar? O que o primeiro que encontrar um pedaço de metal corroído do nosso futuro vai imaginar?

Costumava ter um pesadelo recorrente onde ia diminuindo, no sofá de uma tia minha, até me perder entre as almofadas. Ninguém me veria ali, minúsculo. Qualquer movimento seria letal pra figura ínfima que tinha me tornado. E me restava apenas isso, existir, desviar das almofadas. Um ácaro insignificante no sofá da irmã de meu pai.

Se o acaso for mesmo poeira nos olhos, como um dia um biscoito da sorte me disse, daquele jeito piegas e sem crocância que só os biscoitos da sorte sabem, então o colírio seria o que? Mas o colírio não evita a poeira, você lembra com sagacidade previsível, só acalma a irritação. O colírio é colateral. Como os cabelos brancos. E o charme, a beleza, o inesquecível.

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