Copy of a Copy of a Copy

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Tudo começou com um sonho que não lembro direito. E lá estava eu, no que meu Virgil pessoal chamava de “Purgatório”. Era um lugar desolado, sem nada, nem areia, somente pedras e um céu acinzentado. Ventava muito, mas não fazia frio nem calor. Várias pessoas estavam ali, umas em pé, outras sentadas, outras chorando. Na nossa frente tinha um buraco, de uns dez metros de diâmetro, com uma corda no meio, ligando um lado a outro. Do outro lado uma menina com capuz olhava pro vazio do buraco.

Meu Virgil pessoal parou do meu lado e disse que era isso mesmo, meu ‘Virgil pessoal’. E que eu gostaria de chamar aquele lugar de purgatório. Para ser salvo era só atravessar a corda. Disse que eu até podia arrumar algum sentido filosófico cristão envolvendo pecados e a leveza da alma e que pessoas boas teriam o equilíbrio necessário, mas no fim era um jogo de sorte mesmo, atravesse a corda e será salvo. Todas as pessoas ali estavam com medo, esperando um surto de coragem ou que Deus fosse misericordioso e aparecesse num estalo salvando todos pra um grande banquete no céu.

Enquanto eu pensava se ja tinha feito algo parecido e chegava a conclusão de que não, o máximo fora tentar andar no meio-fio, sem muito sucesso, a menina atravessou, sem nenhuma dificuldade, sem sequer pender mais pra um lado, e pegou minha mão. Sem tirar os olhos do chão puxou de leve, me levando em direção a corda. Todos olhavam apreensivos, os mais velhos choravam ou me lançavam olhares de ódio. Meu Virgil pessoal riu e disse que ela escolhia pessoas aleatórias para atravessar, era só segurar a mão dela que estaria salvo.

Ele foi dando a volta no buraco, com a mão nos bolsos, e me perguntei porque não tinha pensado nisso antes. Porque todas aquelas pessoas não tinham pensado nisso antes, mas acho que elas tinham seus próprios Virgils pessoais.

No meio do caminho eu parei, não sei bem porque, mas parei. A menina levantou os olhos para mim e eu sorri, soltando a mão dela.

Acordei dormindo em um teatro. Dormi vendo o ensaio. Consigo dormir como um bebê em lugares assim, grandes e escuros. Procuro novos teatros e cinemas para dormir toda tarde.

E lá no palco estava ela, com aquele pó branco na cara, maquiagem forte, olhar vazio, a menina da corda, anos mais velha. Meu Virgil pessoal estava na mesa das luzes, e deu um sorrisinho antes de tudo ficar escuro.

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