Desodorante

Desodorante

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“Acho incrível essa lógica de procurar algum medicamento para curar sua dor. De sentir e parar de sentir. De comprar a salvação em gôndolas coloridas. Mas ainda existe o ditado: todo remédio bom tem gosto ruim. O alívio é fácil e rápido, desde que esteja a um preço acessível. Aposto que se dessem um jeito de botar orgasmos em frascos ele seria azedo pra caramba. Ou amarraria a boca, como certos frutos quando não estão maduros. Todo benefício tem seu custo, não importa o quanto a ciência avance, não consegue fugir disso.”

Toda essa bobagem o menino leu em um folheto que o esperava no banco do ponto de ônibus. Ele não deu muita importância. Posso dizer com certa convicção que a vida de ninguém, nunca, mudou devido a algo que tenha lido em um folheto jogado na rua. Enfim o ônibus chegou. Sempre causava certo espanto ao menino o tamanho daquilo tudo. Um carro enorme onde todos os tipos de pessoas poderiam andar juntas em bancos iguais. A sensação de ansiosidade ao sentar na janela, enquanto o seu lado estava vago, sempre fazia com que borboletas saíssem de seu estômago e se banhassem naquele líquido nojento que precede o vômito e sempre insiste em chegar até a garganta. Mas elas nunca saíam. Ele preferia não pensar nisso para não sentir pena. Só pensava em quem poderia sentar ao seu lado. O quanto isso mudaria sua vida.

Claro, na maioria das vezes não era ninguém. Uma pessoa padrão que não poderia nem se destacar devido a alguma característica predominante. Não que fosse culpa dessas pessoas, longe disso. Mas o deixava mais triste. Tanto por não ser especial, quanto por não ter uma característica predominante. Vejam bem, vocês todos tem algo que os resumem. Eu mesmo poderia ser chamado de “o imbecil que narra tudo sem sentir necessidade de dar nomes às pessoas”. Isso me resume. Se não consegue prever toda minha história baseado nisso, não está pensando o bastante. Se esforce. “O babaca que tem preguiça de pensar e diz que isso é algo normal” pode ser você.

Ninguém sentou do lado do menino. Sem motivo especial, simplesmente porque o ônibus não lotou e ele sentou no fundo. Mas esses acontecimentos arrasavam seus sentimentos. Tudo o que ‘poderia ser’ tinha mais impacto do que ‘era’ realmente. Depois disso ele tinha vontade de desenhar, vários mundos psicodélicos com mais roxo do que a maioria das pessoas usaria. O roxo o acalmava. Era seu remédio.

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