Disorder

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E de repente tinha um coelho de pelúcia gigante no meu jardim. Era rosa com as orelhas compridas e olhos de botões enormes, um deles saindo pra fora como se tivesse sido puxado com força demais. estava um pouco sujo, mas cheirava a amaciante de roupa.
Mas o problema de tudo isso era que quando meu avô voltasse, iria ver e achar que era minha culpa. Tudo costumava ser minha culpa, até notícias ruins que aconteceram na China eram minha culpa pois não mudei de canal antes dele ouvir.
Mas como diabos eu esconderia aquele coelho? Não tinha como mudar ele de lugar sozinho, era do tamanho de um caminhão.

São nesses momentos que pensamos coisas idiotas como cordas e outros aparatos que físicos usam pra mover troços enormes com pouca força. Mas é burrice pensar nisso, o máximo que conseguiria era mexer as orelhas ou as pernas um pouco mais pro lado.
Logo entrei em desespero. Podia imaginar as bengaladas nas costas e no topo da cabeça, e em como eu era um inútil, na minha idade ele já trabalhava na fábrica de tampinhas Kevin & Stewart, ganhando alguns centavos por hora, mas no fim do mês podia ajudar sua mãe a comprar um aparelho de som e sorvetes.

Tudo aquilo era uma droga, eu não pedi por um coelho gigante. Se ao menos ele fosse feito de gelatina, ou pudim. Me irritei e comecei a dar pontapés naquela almofada rosa enorme, e era bem macia por sinal. Procurei por fios soltos ou buracos, quem sabe eu podia fazer ele desmanchar em algodão ou algo que o valha que estivesse dentro. Nada de buracos ou fios soltos, o que era bem estranho naquele coelho sujo. Subi nele e vi o olho quase arrancado, me abaixei e vi que na parte onde o fio entrava na cabeça cabia minha mão. É claro que você não espera encontrar milhões de insetos tão amontoados que parecem algodão macio, mas às vezes acontece. Enfiei o punho inteiro, senti o que parecia ser bolinhas de isopor ou algo parecido, mas logo as perninhas começaram a se mexer, e me dei conta que todo o coelho se mexia por dentro, mas formando uma massa consistente.

O susto foi tanto que tirei a mão e pulei para baixo em um movimento só, e corri uns passos. Pensei ter visto alguns insetos saindo pelo olho, mas era só minha imaginação. Se antes eu estava desesperado, agora estava quase em estado de choque. Meu avô nunca entenderia aquilo, via ele batendo com a bengala na barriga do coelho e todos aqueles insetos saindo como se fossem água.

Ouvi o portão abrindo, e aquele “toc toc” da bengala batendo no chão. Tinha de pensar numa desculpa e rápido. Diria que um helicóptero do meu cereal preferido trouxe ele pela manhã, que era o prêmio por ter juntado 200 códigos de barras da promoção do meu biscoito favorito.
Mas e depois? E se os insetos morressem e começassem a cheirar mal? E se eles virassem besouros voadores com ferrões e olhos pretos?

Meu avô chegou, olhou pra mim, e disse pra ajudar ele a carregar as compras. Demorei uns 10 segundos pra assimilar tudo aquilo. Cadê os gritos e batidas de bengala? As perguntas e desculpas esfarrapadas?
Nada, ele não viu o coelho, simples assim.
Ajudei ele a carregar e guardar e voltei lá fora. A coisa continuava no mesmo lugar, como se tivesse morrido do nada e ficado por ali.

Mais tarde choveu, uma chuva forte, mas sem vento. Fiquei olhando pela janela e imaginando se aqueles insetos estariam molhados, se debatendo. Por uns momentos pensei se não tinha inventado os insetos, se não era coisa da minha cabeça idiota. Se aquele coelho todo não era imaginação.
Fui la fora com um guarda-chuva e descalço, encostei a mão e tentei sentir algum movimento, mas não consegui nada.
Tive uma vontade imensa de subir nele e deitar la em cima. Deitei, já sem guarda-chuva, e fiquei olhando pra cima, nem me dei conta que a chuva não caía no meus olhos sabe-se lá porque razão.
Fiquei ali até escurecer e começar a tossir. Entrei e meu avô já estava dormindo, troquei de roupa e dormi.

No outro dia o coelho não estava mais lá, nem os insetos, nem nada, nenhuma marca.

Uma vez meu avô bebeu demais porque o candidato que ele votou nas eleições tinha perdido. Contei a ele toda a história do coelho, e em como ele tinha sumido da mesma forma que chegou.
Meu avô deu uma risadinha e disse pra mim não me preocupar, ele tinha ganho o coelho por juntar 200 códigos de barras na promoção do seu biscoito favorito.

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