Uma das maiores diversões de se estar vivo é imaginar as coisas como se fosse um teatro na sua mente. Como se as pessoas tivessem as reações que você esperaria, geralmente mais dramáticas e exageradas, exaltando suas personalidades. Imaginem os animais com pensamentos humanos. Atribuam qualidades e defeitos, elevados ao máximo. Cole máscaras com super-cola, à força. Você é o rei. Aqui você pode cortar cabeças. Não tenha medo de imaginar elas rolando.
Saio de casa pra entrar em um mar verde e espesso, com cheiro de algo que sabia que existiria, mas escolhi esquecer. Ninguém mais tem curiosidade. Ninguém quer saber sobre a vida do outro. Querem falar de si mesmos o tempo inteiro. Querem cuspir verde no mar. Não vejo problema em ouvir sobre suas vidas, eu sou curioso, eu quero saber o que fizeram na quinta-feira passada. Mas eles não. Eles deixam claro que tanto faz o que fiz. Quinta, sexta, sábado. Minha vida não importa. Isso cansa, essa dualidade entre querer falar sobre mim, e querer que desejem ouvir. Egoísmo e Insatisfação são antônimos, e o Sr. Gramática nunca percebeu.
Uma senhora acorda e anceia por um pão com manteiga. Já passa de 80 primaveras, e tudo que se importa agora é acordar e ter seu pão com manteiga. Mas não é qualquer pão. Não é qualquer manteiga. Ela pode ser extremamente seletiva, ou pode ser uma senhora coitada e ter seus direitos. Baseados basicamente no tempo em que vai levar pra morrer, e em quem contará sua história. Ela mal sente o gosto do pão e da manteiga. Ela não se lembra porque precisa deles, mas em algum momento da sua vida sentiu que precisou. Não sabe se por birra, para irritar alguém, um genro, um filho, um cachorro. Mas agora é a única coisa que sabe que precisa fazer, além de evitar urinar nas calças e chupar o excesso de baba escorrendo pelo canto da dentadura.
Quando criança costumava criar os roteiros mais elaborados possíveis para brincar com meus bonecos. Eram tramas mais trabalhadas que muitos filmes de ação por ai. Talvez se tivesse investido nisso estaria em alguma suíte cara cheirando cocaína na bunda de alguém e levando alguma arma à boca no final da noite, sozinho. Mas nunca puxando o gatilho. Nunca. Hoje reflito se os suicídios não são tristes puramente pelo roteiro. Penso que se elaborasse uma história onde o final culmina no boneco salvando a todos, mas perdendo a vida. Um mártir. Eu seria esse mártir, mas misturado com um viajante no tempo. A minha morte serviria de aviso para amigos não fazerem o mesmo no futuro. É como se eu viajasse pra lá e evitasse eles de fazerem alguma bobagem, então acho que está tudo bem.