Era uma cena muito estranha, essa menina de vestido sentada no canto de uma poltrona enorme, como se ela fosse afundar nas almofadas a qualquer momento.
Era estranho mesmo, porque metade do tempo ela falava consigo mesma, e metade ela falava com gatos que sequer estavam ali.
Devaneava sobre o porque de todo mundo mentir que espelhos eram feitos de prata, quando na verdade eram pedaços de vidro egoístas, que não queriam deixar ninguém ver o que estava atrás deles.
Dizia ter sonhado sobre uma guerra bem incomum, entre ovos de galinha que alegavam ser na verdade ovos de ganso, e as galinhas, que não queriam abrir mão de seus ovos.
Era estranhíssimo porque ela tinha vontade de comer avelã, sem nunca ter experimentado uma avelã.
A poltrona era grande mesmo, não sei ainda se era muito muito grande, ou só grande e a menina era muito muito pequena. Em todo caso, ela era listrada (a poltrona, não a menina. Bom, a menina também, mas isso é assunto para outra história), de roxo e azul, com cabeças de algum pássaro já extinto, ou que ainda nem tinha aparecido nesse mundo, no topo do encosto.
– Em todo caso, Sr. Snuffles – dizia a menina para um dos gatos invisíveis – às vezes acho que tenho pedras nos olhos. Pedras preciosas, sabe, mas de cores diferentes, o que deixa tudo mais confuso. Imagine só, se um dia elas resolvem virar caleidoscópios, o que vão dizer de mim. Oh céus, coitada de mim.
Então ela parava e olhava para cima, balançando as perninhas. Com um movimento rápido, pegou do chão uma gata preta, que honestamente não sei de onde surgiu, e botou no colo.
– Veja Clara, as estrelas. Um dia vou subir lá, mas infelizmente você não pode ir. Pelo menos nunca ouvi falar de gatos astronautas. – então ela levantou de sopetão e levou as mãos na boca, fazendo a gatinha pular de susto – Onde diabos foi parar meu teto?!
Mas era só a menina dormir que tudo voltava ao normal, e ela teria quase sempre as mesmas conversas quando acordasse.
olhos com pedras preciosas que viram caleidoscópios…\”Lucy in the sky with diamonds\” *—*