Ele não se lembrava como começou, mas desde que se lembrava pintava as sobrancelhas de vermelho. Não fazia idéia do motivo, e não ligava muito pra isso desde que perguntou a seu pai porque os cachorros só falavam com sua avó, e ele respondeu “porque sim, porque sim.”
Sempre soube, no fundo, que era um alienígena. Que um dia a nave-mãe voltaria e ele ia sentir um sinal, um chamado, qualquer coisa, e enfim podia voltar ao seu mundo.
Conseguia ver várias outras crianças que também eram alienígenas (ou descendentes de seres que moravam embaixo da terra, e isso dava arrepios). Como o filho do encanador, que ficou preso num buraco no meio do aniversário de 10 anos de Jimmy “Mortal”, e depois disso todo mundo pegava no seu pé. Ou aquela menininha com um aparelho enorme que diziam ser um “rouba-pensamentos”.
Até queria fazer amizade com essas crianças, mas eles eram estranhos. E aprendeu a nunca andar com estranhos, sejam senhores de bigode com sorrisos falsos ou gordinhos com camiseta suja e lancheira de desenho animado. Um dia a nave-mãe viria buscá-los, e todos iriam embora juntos, rindo e contando de como esperaram ansiosos.
No seu mundo natal não existiriam pessoas estranhas. Nem pessoas especiais. Todo mundo saberia dormir com a luz acesa e a fazer xixi sentado. Ninguém comeria azeitonas ou beterraba. E as sobrancelhas seriam coloridas, da cor que bem entendessem.
Ele esperou até suas roupas não servirem mais. Esperou mesmo quando seus pais falsos morreram num incêndio. Esqueceu de esperar enquanto enterrava sua tartaruga, mas depois voltou a esperar.
Acabou internado num hospital, junto com crianças que não podiam segurar coisas pontiagudas e enfermeiras com cheiro de conserva. Ninguém acreditava nele. Ninguém dava bola pro menino de sobrancelha vermelha que queria ir embora num disco voador.
Até o dia em que uma luz forte bateu na janela e ele sumiu.