Grape Juice

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PLAY: Eu devia ter uns 12 anos na época. Malditos 12 anos, e o velho resolve dar uma de maluco justo comigo. Olha, ali é o hospital, nesse dia estavam fazendo algum protesto contra qualquer coisa, bando de desocupados. Ali é a recepção. Juro que sonhei centenas de vezes com esse dia desde então, mas sempre tem uma mulher diferente na recepção. Diabo, em uma das vezes quem atendia era a Mulher Maravilha.
PAUSE: Esperem. Minha querida professora na época, não lembro em que série e nem quero lembrar, teve a idéia dos alunos fazerem um vídeo ou fotos de onde os pais trabalham. Nunca entendi qual o propósito dessas coisas, mas alguns alunos mais imbecis pareciam que iam ter um orgasmo precoce com a idéia. Minha mãe era enfermeira, e eu emprestei a câmera da escola e fui nesse dia com ela.
FASTFORWARD: Olha só, botões do elevador. Coisas sem sentido que crianças gostam. Não sei o que pensei na hora. Pronto, chegamos. Uma placa grande de 3º Andar na parede. Pessoas morrendo nos bancos de qualquer doença ruim, uma planta, e ali estamos, o quarto Nº 317.
PAUSE: Minha mãe tinha combinado que eu mostraria um de seus pacientes, já velho e o campeão na arte de estragar apostas que enfermeiros faziam, de quando pacientes morreriam, o Sr. Norton. Teoricamente ele estava fraco demais para fazer qualquer coisa e dormia o dia inteiro, então acabaríamos logo com aquilo e eu podia voltar pra casa ficar sem fazer nada e ainda assim reclamar disso.
PLAY: Fiquei filmando o Sr. Norton o tempo todo enquanto minha mãe checava sinais vitais e se ele tinha se borrado todo de novo. Ai ela pede pra mim botar a câmera em cima da mesa e ir do lado do Sr. Norton, aparecer no vídeo. Ai estou, com cara de retardado e provavelmente pensando em coisas sem sentido como se a cama tinha furo para as fezes caírem. Alguém chama minha mãe, ela diz que já volta e eu fico ali, com os braços atrás do corpo olhando pro teto.

O Sr. Norton, num movimento espantosamente rápido, segura meu braço e fica olhando direto nos meus olhos com a boca escancarada como se fosse sugar minha alma ou sabe-se lá o que. Eu congelei, não fiz nada, só fiquei branco feito farinha e olhando assustado pra ele. Então ele ri. O Velho maldito ri, e fala:
– Garoto, eu vou morrer. Agorinha mesmo, vou bater as botas, mas não antes de contar isso pra alguém, e você parece ser daqueles meninos curiosos que quebram vidraças jogando baseball. Todo dia 08 de Julho, no topo do monte Brown, se você fizer um pedido ele vai se realizar. Qualquer coisa, é só pedir. Mas se você pedir, vai enxergar o outro lado. O lado dos mortos, o limbo, cheio de zumbis e criaturas esquisitas. Vai ver tudo isso, e quando alguém está prestes a morrer, vai sentir o cheiro e ver seus olhos perderem a cor. Agora você precisa escolher alguém pra pagar o preço da informação. Vamos, é só dizer o nome e eu dou uma carona.

PAUSE: Não lembro o que eu pensava na hora, falei o nome tão baixo e rápido que nem da pra ouvir na gravação, o primeiro que me veio na cabeça. Era um garoto da minha rua que ganhou uma mini-moto e andava com ela desfilando por ai e fazia questão de chamar o resto dos meninos de pobres inúteis. No dia seguinte encontraram ele e sua mini-moto no parque do monte Brown. Ninguém queria comentar a história, mas ouvi minha mãe dizer que o corpo dele tinha os olhos virados e tiveram que serrar os dedos da mão que segurava a moto.

PLAY: Ai o velho solta meu braço e morre. Eu fico ali parado, espero minha mãe chegar e me chamar umas 5 vezes, pego a câmera e não digo nada.

STOP: Escondi o vídeo e nunca contei isso a ninguém. Na escola levei umas fotos que meu pai tinha do trabalho e ganhei 3 estrelas. Não consegui dormir por muito tempo pensado no garoto da mini-moto, mas depois superei. O problema foi depois de alguns anos, já meio bêbado, ir no topo do monte Brown e fazer o pedido. É claro que se realizou, no fundo eu sempre soube que iria se realizar. Pedi a revista nº 1 do The Flash. Não sei dizer porque, mas na hora era um pedido meio irônico. Se pudesse ter tudo do mundo, escolheria a nº 1 do The Flash. O outro mundo não é tão ruim assim, depois de terapia e remédios. Não existem tantas variações de criaturas e zumbis o suficiente pra te manter surpreso pro resto da vida.

Jurei pra mim mesmo que nunca mais ia subir naquele monte.

Subi outras 3 vezes. Vou morrer, e sei que vou acabar naquele mundo, deve ser a pena por abusar dos poderes. Mas precisava contar isso a alguém, e mostrar a fita. Dia 08 é depois de amanhã.

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