Eu durmo melhor com sons repetitivos ao fundo. O tiquetaquear de um relógio, uma torneira pingando. Até mesmo roncos, se sua frequencia e potência forem constantes. Acho que é por que assim o mundo parece real. Palpável. Como uma máquina, sem nada de especial ou misterioso. Tenho medo quando minha confiança acaba caindo entre as rachaduras da parede novinha. É muito difícil tirar de lá. Se o mundo parasse quieto as paredes não rachariam. Eu gastaria menos tempo.
Se ficar bem silencioso mesmo, consigo ouvir sussuros vindo de dentro do meu corpo. Pessoinhas moram la. Se escondem. Suspeito que seja em algum lugar do rim esquerdo, mas posso estar enganado. Elas esperam eu dormir para bolarem seus planos de fuga. Querem sair dessa droga de corpo e partir em busca de seus sonhos. Um deles quer ser eletricista. O outro quer ensinar crianças. Uma mulher disse que gostaria de aprender a nadar, nada a deixaria mais feliz.
Em algum lugar com o clima perfeito, nem quente nem frio demais, um homem começa sua promissora carreira como serial killer. Em algum lugar com o clima perfeito, nem frio nem quente demais, um homem começa seu promissor hobby como colecionador de livros. Ele aprisiona pessoas e estuda seus corpos, passando os dedos pela pele das costas devagar, sentindo cada curva. Ele apanha os livros e estuda suas palavras, passando os olhos pela página devagar, imaginando cada frase.
Quando estiver prestes a dormir, vai ouvir um animal e imaginar onde ele está, e o que quer da vida, o que seria perfeito naquele, momento. Quando acordar vai por a mão na parede, ainda de olhos fechados, e sentir se o mundo ainda é um lugar seguro para sair descalço.