Grudge

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Abri os olhos e continuava escuro. Me dei conta que estava encolhido e isso deu um certo desconforto. Medo, aflição.
Ouvi barulhos abafados de coisas que se moviam por perto. Quando tateei ao redor percebi que estava dentro de uma casca. Não sabia se era bom ou ruim, mas queria sair dali. Uma luz fraca passava pelas paredes e presumi que era o nascer do sol.
Com alguns socos a casca se rachou, meus olhos arderam com a luz forte e me senti desnorteado. Nasci de novo, mas dessa vez com roupas e cabelo.
Vários outros ovos estavam dispostos em um ninho enorme, feito de uma palha macia, com cheiro de lugares distantes.
Algumas pessoas saíam dos ovos assustadas. Todos em silêncio, esperando alguma coisa acontecer, esperando alguém gritar, falar, qualquer som que quebrasse a teia de apreensão.

Um pássaro enorme pousou numa das bordas do ninho e sorriu gentilmente.
“Ah então acordaram meus filhos. Bem vindos ao seu novo mundo.”

Um senhor de meia idade e casaco marrom começou a andar de costas com cara assustada e tremendo sem parar, até que caiu nos pés de uma mulher com cabelo encaracolado.
Ela gritou. Muito.

Aquilo deu início a uma avalanche de gritos e correria. Alguns caíam de joelhos e choravam, pedindo por favor por favor. Outros abraçavam as pernas e deitavam de lado.
Depois do que pareceu horas lembrei do pássaro gigante, parado ali. Ele ergueu as asas e estufou o peito, então cantou. O canto era lindo, nunca tinha ouvido nada parecido, e na mesma rapidez que começaram gritar todos pararam para olhar o pássaro, atônitos.

Quando tudo parecia ter acalmado, ele voltou a falar.
“Estão seguros aqui. Neste novo mundo não precisam se preocupar com mais nada.”

E novamente começaram a gritar, dessa vez todos juntos. O barulho era infernal e arranhava os tímpanos. Um a um eles corriam em círculos, até que começaram a se jogar de cima do ninho.

O pássaro então me perguntou, com os olhos cheios de lágrimas, porque eu tinha ficado, porque não me desesperei e pulei atrás dos outros. Porque eles prefeririam um mundo injusto onde a lei do mais forte é mascarada em conceitos fúteis como beleza e dinheiro. Porque não aceitam a música mais bela e a facilidade de quem pode lhes trazer comida na boca.

“É simples.” – disse, sentindo uma certa presunção por ser o conselheiro desse novo deus – “Eles precisam viver naquele inferno. Precisam sentir-se úteis procurando comida e ouvindo músicas que saibam não serem perfeitas, para criarem sonhos e esperanças.”

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