Ah os horrores que podem nos atormentar, além da compreensão de qualquer um, aquela sensação de sufocamento em um oceano negro de desespero e medo. Assim se sentiu aquela menina, sugada pra dentro do próprio tênis, por motivos que ninguém saberá.
Não conseguiu emitir nenhum som, sentiu o pé sendo tragado, aquele frio crescente, não tinha mais volta, ela sabia que não. Toda a esperança derreteu do seu corpo, seus sonhos eram torcidos até rasgarem, espirrando sangue e pedacinhos duros de qualquer coisa. Ela começou a girar, entrar no tênis, seu joelho, depois a coxa, o quarto ia sumindo, primeiro veio a escuridão, depois Aquele mundo, com criaturas tão assustadoras que gritos nem saíam da boca, e o medo se solidificava, para cair no chão e quebrar em pedacinhos barulhentos, como giz arranhando um quadro negro. O terror era tão grande que causava náuseas, uma sensação de querer enfiar as mãos no próprio coração e acabar com aquilo tudo, me deixem ir embora, ela pensava, me deixem deitar na minha cama e esquecer, me deixem acordar. Mas ela nunca mais ia acordar, foi sugada inteira pelo tênis, e sumiu, deixando aquele pé no mesmo lugar onde tudo começou, no meio do quarto.
Seus pais nunca explicaram porque saíram, nem porque a menina não estava junto na mudança. A casa ficou abandonada, ninguém ousava comprar depois de ouvir as lendas. Diziam que seu quarto ainda estava exatamente como no último dia que a viram, arrumado e rosa.
E assim a casa está ali até hoje, esperando a próxima criança entrar e vestir o tênis parado no meio do quarto. O pó acumulando em todos os cômodos menos naquele quarto, não, Ela não deixaria, não no Seu quarto. Quando morremos com muito, mas muito medo e sem esperanças, viramos fantasmas vingativos, queremos que sofram como sofremos, e lá está ela, esperando. Nada vivo cresce na casa agora, nem os cupins e formigas. Só o silêncio, o único ser permitido ali, andando e procurando rangidos para matar.

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Acho que tenho medo de que a morte seja como o sono e nunca possamos definir o momento exato em que morremos.