Tem essa garota, que costumo visitar sempre que a solidão excede limites estipulados por mim mesmo numa tentativa de manter a sanidade. Vou até sua casa no final da tarde, quase sempre ela está se arrumando para sair depois. Nessas primeiras visitas não digo nada, observo até que aconteça alguma coisa para quebrar o movimento, como ela tropeçar na camisola jogada no chão, ou derrubar o lápis de olho. Ai pergunto quanto vai ganhar nessa noite.
A vida tem um padrão matemático. As moléculas seguem leis de como se agrupar. O dna é uma combinação de padrões. Você saiu de uma receita. Em algum lugar alguém anotou seus ingredientes em um pedaço de papel e foi comprar no mercado da esquina. Ao chegar em casa percebeu que derrubou café na parte onde dizia a quantidade de desilusão necessária, então ele acabou exagerando, por isso você é assim.
Se o que eu tiver na carteira for maior do que o que a garota vai ganhar naquela noite, eu cubro a oferta. Ai ela pergunta se eu quero que ela continue se arrumando ou não, afinal nunca saímos do quarto. Digo que tanto faz, o que ela preferir. Pergunto como foi a semana. Essas conversas descartáveis que servem de banho maria para algum gancho que vamos lembrar. Ela nunca responde. Pergunto como conseguiu o machucado roxo no braço esquerdo. Ela da um riso interno e aperta os lábios para espalhar o batom. “Caí da escada.” Tento não imaginar o sujeito pesado e cheirando a cigarros baratos que fez aquilo com ela, perguntando qualquer coisa que vir a mente.
Ao perceberem esses padrões, grandes artistas incluíram eles nas suas obras. Proporção áurea, procure na biblioteca mais próxima. Isso chega a ser redundante e, de certa forma, uma roubalheira. Você trai a vida construindo nela coisas em escala maior que ela mesmo construiu e mente pra si mesmo que aquilo tem certo teor artístico. É irônico também, pois da mesma forma que fomos formados quando as moléculas seguiram padrões e tendências para combinarem, seguimos padrões e tendências no que construímos, estudamos, apresentamos. São as receitas que criaram suas células aplicadas em monumentos e na droga da mesinha de canto da sua sala.
Ao terminar de se arrumar ela liga para a recepção e pede um vinho. Todos os clientes tem direito a esse vinho, não sou especial. Ele bebe em goles longos, eu dou pequenas bebidelas. Não falamos quase nada, eu deito e fecho os olhos, ela lembra de passar perfume e se debruça na janela. Depois do terceiro copo tudo muda. Depois do terceiro copo imaginamos o que aconteceria com nossas vidas caso tivéssemos levado o colégio a sério. Caso eu tivesse aceitado aquela proposta de sociedade. Caso ela não tivesse abandonado seu quarto namorado. Agora eu sou especial, agora tenho uma garrafa de vinho só pra mim. Pela primeira vez na noite, ela me olha nos olhos, e sorri com o canto da boca.
Agora imagine a vida como uma espiral de DNA. Imagine Que seu ciclo rotineiro de acordar todo dia siga e siga e siga formando um padrão. Se afaste mais ainda do microscópio. Imagine que países inteiros sigam esse padrão, ciclo, espiral. O mundo inteiro é regido pelas vontades primárias de perfeição da natureza. A receita primordial, aquela que pediu para que uma estrela do tipo G tivesse planetas orbitando, com pequenas pessoinhas, 2 ovos e achocolatado.
No fim da noite jogo meu casaco por cima dela, que sempre acaba dormindo sem se cobrir. A noite não está fria, mas me parece o mais adequado. Ela nunca devolveu meus casacos, e posso jurar que reconheci alguns vestidos por outros clientes. Não me sinto especial. Rio sozinho imaginando um cenário onde conto a minha mãe que a única amiga que tenho é uma prostituta que nem sabe meu nome. “Não mãe nós não fazemos sexo, não precisa se preocupar com doenças.” Imagino o que ela pensaria disso. Invejo aquele estado mental que as mães tem onde nada mais importa, somente o estado de limpeza da casa. Comprei uma almofada nova. Estou pensando em trocar a marca do meu desodorante (sem cheiro).