Então fugimos, vendemos tudo, jogamos algumas coisas fora, quebramos outras. Compramos um bar numa cidade enorme onde quase ninguém pararia pra entrar. Não teríamos relógios, nem computadores, nem telefones. Comeríamos tanta porcaria que vomitar cores estranhas seria normal.
As paredes seriam decoradas somente com quadros em alto relevo, como garrafas cortadas ao meio e emolduradas, e aqueles quadros com insetos brilhantes, pegaríamos mariposas voando perto das velas e espetaríamos no meio, eles sempre teriam um lugar vago no meio para elas, e elas se debateriam até morrer.
Conheceríamos pessoas malucas, que dariam medo, mas quando fôssem embora riríamos e acharíamos elas tristes e sozinhas. Serviríamos drinks diferentes todo dia, e seria proibido anotar qualquer coisa, nenhum dia seria lembrado ou revivido. As cadeiras mudariam de lugar todo dia, e quando enxêssem, queimadas numa fogueira no canto, onde assaríamos marshmallows que cairiam no fogo, porque nunca são igual os filmes, e passaríamos a noite com fome, bêbados demais pra ir no mercado da esquina.
Um de nós teria uma doença fatal, e não iria contar pro outro. Seria enterrado no porão, ao lado do túmulo do cachorro que esqueceríamos de alimentar. Quem sobrasse venderia o bar, compraria tudo em amendoins ou barras de cereal e viveria a vida debaixo de uma ponte, fazendo armadilhas para pequenos animais, que depois de pegos, ao invés de virarem jantar virariam de estimação.
Só podemos comer peixe, porque eles não tem sentimentos, e não temos relógios.