Personal God

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E ali, na parede do banheiro, quando estava distraído jurando a mim mesmo que tinha ouvido meu gato falar “nunca”, apareceu um buraco. Era grande, uma pessoa podia entrar nele se abaixando um pouco. Redondo, como se tivessem explodido, mas sem nada de escombros ou poeira.

Do outro lado tinha outro banheiro, só que com musgo pelas paredes e tudo tinha um tom esverdeado por causa dos fungos entre os ajulejos e plantinhas crescendo nas rachaduras.

Entrei e logo vi que ninguém morava ali fazia um bom tempo. Todos os cômodos estavam desse jeito, como se o apartamento tivesse sido construído no meio de uma floresta tropical. Ali, na sala de estar, tinha o corpo de alguém no chão, muito magro, com raízes saindo por todo orifício e um cheiro de terra misturado com suor, nada agradável. Peguei um graveto e cutuquei, o sujeito se mexeu, ergueu a cabeça para mim e esticou a mão, como se pedisse ajuda.

As plantas tinham dominado o mundo. Ninguém sabe porque mas começaram a se nutrir de sangue e adquiriram um certo comportamento hostil. Agora mantinham os humanos em um estado ironicamente vegetativo, enquanto eles produziam sangue para alimentar elas.

Logo saí dali pelo buraco no banheiro, o lugar era irritantemente quente.

No outro dia o buraco levava a um lugar diferente. Era uma sala inteira branca. Era uma cela, ou quarto, ou fosse o que fosse com cama e banheiro no mesmo lugar. Não tinha ninguém nela, mas a porta estava trancada. Só podia ouvir pessoas cantarolando e passos pesados do que provavelmente seriam guardas.

Nas paredes brancas li alguns rabiscos, feitos com sangue ou, duvido, tinta vermelha.
Dizia:
– Este nunca foi meu mundo, Você tirou o anjo daqui. Me matei para fazer todos pagarem.

É a letra de uma música, então não devia estar num futuro apocalíptico ou sei lá.

No terceiro dia o buraco levava a uma sala escura, sala não, banheiro, porque tinha aquele cheiro típico de banheiro sujo. Fiquei só observando, cuidado nunca é demais quando se olha por buracos no banheiro. Acenderam a luz do outro lado e levei um susto.
Era um banheiro desses semi-públicos, de bar ou posto de gasolina, que no fim acabam perdendo o valor de propriedade em meio a todo tipo de frase.
Sexo fácil, ligue: 555 555 555.
Reclamar da vida é como assoprar velas de cemitério.
John passou por aqui – pelado.

Lugares que você aborta sem pensar duas vezes.

No quarto dia o buraco sumiu.

Sabe, uma das coisas mais tristes da vida, foi não conseguir encontrar a veia para enfiar a agulha. É algo duplamente deprimente, primeiro pelo ato em si. Depois pela incapacidade de conseguir fazer ele.

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