Em algum lugar por ai, existe uma baleia que se comunica em uma frequência diferente de todas as outras baleias. Parece algo besta, mas isso é o suficiente para que ela viva completamente isolada de qualquer membro da sua espécie. Nenhum deles consegue ouvi-la. A solução foi excluir a coitada. O que mais poderiam fazer, certo? A vida em sociedade, seja das baleias, seja a nossa, requer comunicação. Como alguém que não conversa ou, nesse caso, não fala na mesma frequência, acaba convivendo?
Amanhã acordaremos e toda a moeda mundial será convertida em sorvete. Tudo será resolvido na base do escambo entre sabores diferentes de sorvetes. Mas isso é tranquilo, certo? Eu não tenho nenhum problema com esse fato. Você também não. A primeira pergunta é quais sabores serão os mais valiosos? Mas esqueça isso. Pense na logística. Até chegar no mercadinho, o sorvete derrete, escorre e deixa as mãos grudentas. E o pior, caso alguém decida comer todo o dinheiro que conseguir (uma decisão completamente aceitável, diga-se de passagem) vai ter uma dor de cabeça dos diabos.
Em mais dias do que desejaria, me sinto como a baleia. Sinto que falo em outra frequência, uma errada. Ou talvez ouça em outra faixa sonora, daria no mesmo. Essa limitação é pior do que ser surdo, ou mudo. Não me venham com comparações de dificuldades. As piores estão naquelas que não conseguimos classificar. Que não ganharam fama o suficiente e não tem suas próprias ONGs, ou o filho de alguém com dinheiro demais acabou fazendo parte, então misteriosamente essa causa acaba nas primeiras páginas.
Talvez amanhã, ou depois, eu tenha mais sorvete que você. E isso não vai ser pessoal. É a chance. O destino. Me tornarei alguém fútil e idiota, mas será exclusivamente porque preciso me tornar, ou não protegerei meus bens. Nossa língua não será mais a mesma. Alguns decibéis a mais, outros a menos. Ainda ouviremos um ao outro, mas somente barulhos indecifráveis. Que incomodam, dão dor de cabeça. E isso nos tornará inimigos mortais. Por causa de sorvete alguém vai acabar sozinho.