Assim cruzamos com os fantasmas que assombrarão mais tarde nossas vidas; sentam-se prosaicamente na margem da estrada como pobres mendigos e só os vemos pelo canto dos olhos, se é que conseguimos vê-los. A ideia de que estivessem ali à nossa espera raramente ou nunca passa em nossa cabeça. Contudo eles esperam e, quando passamos, juntam suas trouxas de memória e seguem atrás de nós, caminhando em nossas pegadas, pouco a pouco se emparelhando conosco.
Passei dezessete dias de férias em um mundo onde a única forma de governo era o fascismo cultural, imposto por um grande imperador com óculos de bibliotecário. Todos tinham deveres diários, capítulos para ler, teorias para discutir, pontos de vista a analisar. Quem não produzisse sua cota mensal seria punido de acordo com a “Taxa Sobre a Contribuição Cultural”. A pena máxima era a morte e, antes de morrer, as pessoas teriam 12 horas para escrever algo revelador e ter uma última chance, mas poucos conseguiam.
Em bares obscuros os mais liberais corriam para falar sobre assuntos fúteis, jogar conversa fora, fofocar. Alguns iam para assistir antigas fitas com esportes esquecidos. Esses lugares não duravam muito, sempre estavam nas manchetes do dia seguinte “Mais uma Vitória da Cultura – 20 rebeldes presos enquanto ouviam música popular”.
Arrumei um emprego na indústria musical do governo. Meu trabalho era dirigir uma van com um dispositivo que fazia todo tipo de transmissor tocar as músicas que o estado ditava. E quando digo todo tipo de transmissor é todo tipo de transmissor. Como panelas em ângulos propícios e cachorros com funis de plástico no pescoço.
Um dia um sujeito disse que não sabia o que algum filósofo qualquer tinha escrito na sua puberdade e foi espancado até a morte por jovens com livros pesados.
Numa quinta-feira acordei e não estava mais lá.