Prometi que seria sincero, pelo menos uma vez.
Poucas pessoas sabem esperar. Sou uma delas. E ali esperando o doutor entrar pensei em ser sincero. Pensei no texto todo, na atuação merecedora de Oscar que nunca me deixou na mão, desde quando precisei incriminar outra criança pelo vidro quebrado, até quando finjo efeitos colaterais de comprimidos que acabam no ralo. Será que cheguei em um ponto onde até para ser sincero preciso pensar no que vou dizer? Como se preparasse minhas falas, o que de certa forma é uma mentira, não? Devia limpar minha cabeça, fazer o ritual que sempre faço quando quero parar de pensar, eu atirando em outro eu, que cai em um mar silencioso. Depois de não pensar em mais nada, o doutor entra, e então eu começo a falar a verdade, tudo o que penso mesmo, sem enrolações, sem mentiras, nem mesmo as mentirinhas brancas. Por algum motivo enquanto falo imagino uma trilha sonora feliz no fundo, são violinos, mas animados, relaxantes. Falo que não tomo meus remédios fazem meses. Que matei filhotes de gatos quando era adolescente, mas me arrependo, de verdade. Falo sem parar, sobre minha vida agora e a falta de objetivos, em como descobri uma maneira de obter determinada sobre-vida, criando metas de curto prazo, como planejar coisas idiotas para o fim de semana, ou ligar para alguém e combinar e comer cachorro-quente a noite, e como essas besteiras ajudam a evitar pensar que não tenho nenhuma motivação para continuar isso tudo. Em como depois de cumprir essas metas me sinto relativamente realizado, até o momento em que penso sobre tudo o que fiz e em como é insignificante. Conto sobre minha avó e como gosto dela agora apesar de não lembrar quase nada dela enquanto estava viva distribuindo balas. Admito que não tenho amigos, eu não tenho, eles acham que sou amigo deles mas na verdade não consigo sentir nenhuma necessidade de amizade com eles, e confesso que pra mim relacionamentos são isso, necessidades, desejos de coisas que são impossíveis de se obter sozinho. Dou risada e digo que essas sessões são inúteis, até hoje não me ajudaram em nada e tudo que falei nos dias anteriores era mentira, tudo é mentira, eu sou uma mentira, uma grande e enorme mentira.
Ai reparo que os violinos de fundo ainda não pararam, e é isso que me trás de novo a realidade. Começo a rir sozinho e me dar conta que nada do que pensei aconteceu, nem nunca vai. A promessa de que ia ser sincero era mentira. E o doutor entra, sem violinos, e eu não digo nada, pego meus remédios e vou embora prometendo mandar lembranças a minha mãe, o que também foi mentira.
As vezes, eu acho que a única motivação que me faz continuar é a esperança de ter uma nova motivação e o meu único sonho é de um dia chegar a ter um sonho.
Intenso.