Um dia, que ninguém lembra direito quando, um sujeito que ninguém lembra direito o nome, rendeu um guarda, algemou ele na cela, trancou a porta com o cacetete e deu um jeito de escrever na parede:
“Fiz o que tinha que fazer. Se tem um motivo, o motivo foi você.”
O ponto final ficou escorrido porque já tinham entrado e conseguiram puxar ele de lá, quebrando duas costelas no processo. Dois dias depois chegou um pintor com um andaime e começou a pintar por cima, mas a revolta foi tão grande que deixaram como estava.
O “você” da frase varia pra cada um daqui. Pode ser uma mulher, um filho, uma personalidade psicótica que vive insistindo pra pegar o lápis que aquele guarda vai ter o que merece. A questão é que todo mundo aqui precisa de um motivo qualquer, senão fica pirado. Pelo que li e ouvi, um quarto dos presos no corredor da morte são considerados mentalmente inaptos antes de serem executados. Solidão e essas mesmices.
Os outros presos chamam quem está no corredor da morte de “Homem Morto Andando”, e não fazem nada com eles, tem um certo respeito, sabem que o cara vai morrer uma hora ou outra. E quem está no corredor geralmente não cria problemas também, acho que se conformam com o fim então pra que criar mais confusão. Nessa hora que religião e culpa pesam. Sabem que já fizeram muita merda, então tentam evitar mais merda pra, quem sabe, se existir mesmo essa coisa toda de céu e inferno, chegar pra um santo e falar “olha, me arrependi”.
Alguns vão calmos quando chega o fim, outros saem até alegres que a espera acabou. Ganham a famosa última refeição, que pode variar de todo o fast-food que você conseguir comer, até uma azeitona, ou 6 garrafas de refrigerante.
Eu deveria estar ali, se reduzíssemos o “deveria” pro nível em que fazer algo realmente ruim é motivo pra estar ali. Sou um homem morto andando, um zumbi, que decidiu virar um zumbi. O que talvez seja pior do que quem matou alguém, porque eles tiveram que fazer aquilo, não escolheram fazer.
Eu adoro as referências ao Pearl jam, radiohead e outras que acho aqui. Combina demais com o estilo delirante dos textos…
\”o ter que\” sufoca e causa naúseas.