Unborn Chicken Voices

Em algum ponto da minha adolescência eles substituíram todos as coisas e pessoas do mundo por cópias de papelão, essas ruins mesmo, só com um lado, atrás é sem cor e caem fácil com o vento.
Não reclamei em momento algum. Ainda vivo ali, fazendo de conta que não sei de nada, falando com meus amigos de papelão, fingindo que a senhora de papelão do mercadinho esqueceu do troco, e brincando com meu cachorro de papelão. Às vezes vejo de relance alguém erguendo uma parede de papelão que caiu, ou remendando um carro de papelão com fita adesiva preta.
Vejo pessoas de papelão que reutilizaram, e onde antes era uma expressão feliz pintada com tinta, agora rabiscaram por cima com caneta preta uma expressão triste.
Sei que se eu quisesse, podia por fogo no mundo inteiro, ou molhar as pessoas que elas cairíam sem aguentar o próprio peso.
Mas aqui, posso ser quem eu quiser. Menos um papelão, isso sei que não conseguiria.
Viram que eu estava deprimido então me deram fitas de VHS e um vídeo cassete. Todas tinham meu nome e o evento do lado, Aniversário de D, D pescando, D na França, Casamento D e L.
Todas tinham pessoas que nunca vi na vida, com o som embaralhado, chiados e grunhidos. Elas faziam o que os nomes sugeriam, sopravam velinhas, pescavam, íam a França.
A do casamento porém… era eu ali. E uma mulher, que não lembrava. Como eles fizeram aquilo? Era impossível, eu nunca tinha casado… ou tinha?
Estávamos embaixo de um arco branco, sorrindo, eu mal acreditava que ia me casar. Depois o bolo, e uma dança onde pisei no pé dela.
Ai minha voz começou a falar no vídeo que “essa era a minha maneira de dizer adeus, porque sei que não vou conseguir fazer cara-a-cara. Não importa o que aconteça agora, não fique com medo. Porque eu sei que hoje foi o dia mais perfeito que já vi”.
Então eu girava a mulher pela grama, rindo, e a fita acabava naquelas listras coloridas de sem sinal.

Quero te encontrar, mas como? Porque me mostraram isso? Porque eu fugi? Porque meu mundo é de papelão?