A fotógrafa que não tirava fotos, pois elas roubavam sua alma.
– Então você fica feliz em roubar as almas dos outros mas não quer que roubem a sua?
– Sim, é simples assim, porque ia querer que roubassem minha alma?
E dava um sorriso, seguido de um flash e pronto, tínhamos uma foto de um ângulo qualquer do meu queixo e um pedaço de reflexo do sol.
Eu acostumei, não me importava que roubassem minha alma. Na verdade até preferia isso. Quando morresse teria que sair por ai procurando, dava uma aventura e tanto.
Ela se vestia com roupas doidas e sempre reclamava que eu só usava uma blusa.
– Ai as fotos ficam cinzas demais, nada que é cinza demais merece uma foto. Nem elefantes, quem gosta de elefantes? Ta, se eles fossem brancos, ou amarelos, ai sim.
A menina passava tanto tempo atrás daquela câmera que toda noite eu tentava lembrar a cor dos olhos dela. Se algum dia encontrar um gênio da lâmpada ou estrelas cadentes (três, pra balancear, vai) meu primeiro pedido vai ser saber a cor dos olhos dela.
O segundo vai ser alguma coisa bem idiota que vou me arrepender depois, tenho certeza. O terceiro vai ser um álbum, com todas as fotos que ela tirou.
Um dia encontramos um cachorro. Pequeno, magro e feio, faltando alguns tufos de pêlo aqui e ali, com uma coleira apertada demais que devem ter colocado quando ele ainda era bonito e engraçadinho. Admito que nem teria dado bola se ela não tivesse feito um estardalhaço pra levarmos o cachorro embora e tirar umas 200 fotos com todo tipo de fitas e laços e em cima de almofadas com estampas de gatos.
Hoje eu me pergunto se vou achar alguém assim de novo.
Não o cachorro, mas a menina.
Alguém que viva segundo as próprias definições do que importa e o que não importa. Que esconda os olhos e consiga ver todos os segredos do mundo através de simples lentes, vidro, espelhos.
Nunca consegui ouvir o mar naquelas conchas de praia.
Nunca vi uma estrela cadente, nem acredito mais nelas.
Não lembro quando foi a última vez que assoprei um dente-de-leão.
Nunca tirei uma foto.